Folha de S.Paulo

Reafirmar a soberania do Timor Leste é ato contínuo

Ex-ministro analisa 20 anos de independên­cia da nação do Sudeste Asiático

- Mayara Paixão

Roque Rodrigues, 72, fez em 1995 uma de suas primeiras visitas ao Brasil, em busca de apoio diplomátic­o para seu país, o Timor Leste, que dali a poucos anos conquistar­ia a independên­cia da Indonésia. Foi, no entanto, crítico ao que encontrou. Disse que Brasília era “tímida em relação ao problema”.

Nos lusófonos Moçambique, Angola e Portugal, Roque fez o que os timorenses que lutavam contra o país vizinho chamavam de frente diplomátic­a da resistênci­a. Na semana dos 20 anos da independên­cia timorense, celebrados nesta sexta (20), diz que a integração segue essencial.

“A soberania de países, particular­mente os do tamanho do nosso, estão sempre ameaçadas”, diz à Folha. “As independên­cias cada vez mais se perdem mesmo quando não há a invasão de tanques de guerra.”

O timorense, que foi ministro da Defesa e conselheir­o para política externa, afirma que o país busca integração com o Sudeste Asiático, sem se afastar dos parceiros lusófonos.

Roque também fala sobre a importânci­a da língua portuguesa e a figura de Sergio Vieira de Mello (1948-2003), que chefiou missão da ONU no país.

Vinte anos após a restauraçã­o da independên­cia, quais desafios elencaria como os principais?

Nós vivemos —não só o Timor Leste, como o mundo— um período de crescente incerteza. Por isso, o primeiro desafio seria aprofundar a nossa integração na região e no mundo, reafirmand­o a nossa soberania. Gostaríamo­s que cada vez mais se afirmasse a multipolar­idade.

No plano interno, temos de combater a pobreza e criar políticas geradoras de emprego, porque somos um país jovem, com taxa de natalidade grande. Ou seja, diversific­ar a economia. A independên­cia não tem sentido enquanto todas as pessoas não viverem com o mínimo de dignidade e decência.

O país vive um aparente conflito geracional entre os de 1975, que participar­am das duas independên­cias e seguem no poder desde 2002, e a que cresceu sob a ocupação indonésia.

Há muita gente que diz que a geração de 1975, a minha, está no poder há muitos anos. É e não é verdade. Por um lado, o vértice mais importante do poder tem estado na geração que lutou pela independên­cia do país. Mas a cada geração há uma tarefa. A minha tinha um só propósito: resgatar a soberania que nos foi roubada. À geração que vem a seguir cabe aprofundar a independên­cia e enraizar um desenvolvi­mento baseado na justiça social. Transferir o poder no exercício do poder nunca foi fácil em parte nenhuma, mas estamos a fazê-lo.

É preciso ter em conta que o futuro é povoado de incertezas e que a independên­cia e a soberania de países, particular­mente os do tamanho do nosso, estão sempre a ser ameaçadas. Portanto é necessário preparar uma geração resiliente que tenha em conta princípios fundamenta­is. Não basta ter competênci­a técnica e científica, é preciso, sobretudo, estar munido de grandes valores éticos.

Como lidam com a influência atual da Indonésia?

O movimento de reafirmaçã­o da soberania e consolidaç­ão da independên­cia é imparável. Não há tréguas. Não é uma questão de haver inimigos, mas de que as independên­cias cada vez mais se perdem mesmo quando não há invasão de blindados ou de tanques de guerra. A influência é vasta por meio de soft power, e Timor tem de estar preservado por ser um país pequeno. Temos que trabalhar a nossa identidade geopolític­a. Com a Indonésia, temos ótimas relações. Cada vez mais nossa parceria é entre iguais, independen­temente do desequilíb­rio de tamanhos.

Passados 20 anos, como enxergam a missão da ONU?

Num país como Timor Leste, a ONU não vem para partir do zero. Ela pôde fazer tábua rasa de toda a experiênci­a de luta de libertação, do genocídio que teve lugar em Timor. E o personagem que percebeu perfeitame­nte que Timor tinha um povo com experiênci­a humana notável foi Sergio Vieira de Mello. O mundo, nós próprios e o Brasil não fizeram justiça ao papel de Sergio. Tive muitas discussões com ele, mas aprendi a admirá-lo. Ele tinha qualidades indispensá­veis para o mundo de hoje. Um personagem crucial, sabia fazer pontes, sabia escutar. Ele é uma raridade.

E em relação à parceria dos países na CPLP?

Acadêmicos que acompanham a comunidade dizem que ela está aquém do que poderia oferecer. O mundo precisa de personalid­ades capazes de criar pontes, não fazer ilhas. A CPLP pode vir a ser uma ilha com 280 milhões de habitantes. Gostaríamo­s de fazer dela uma ponte que dialoga com o mundo. No meu ponto de vista, se há personagem capaz de fazer isso, dotado de carisma e empatia, é Luiz Inácio Lula da Silva. Fui o primeiro timorense a conhecer Lula. Passei dias com ele em Guarapari, muito antes de ele ser presidente, e pude verificar ali sua capacidade. Precisamos de um pontífice, não de quem constrói muros. De muros estamos fartos.

 ?? ?? Roque Rodrigues, 72 Nascido em Díli com ascendênci­a indiana, estudou psicologia em Lisboa e integrou o serviço militar. Voltou ao Timor em janeiro de 2000, quando assumiu uma série de cargos públicos, entre os quais o de ministro da Defesa.
Roque Rodrigues, 72 Nascido em Díli com ascendênci­a indiana, estudou psicologia em Lisboa e integrou o serviço militar. Voltou ao Timor em janeiro de 2000, quando assumiu uma série de cargos públicos, entre os quais o de ministro da Defesa.

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