Folha de S.Paulo

Esgotado, bancário processa o Bradesco e recebe R$ 1,2 mi

Sob pressão por metas, trabalhado­r tem burnout; banco não se pronuncia

- Fernanda Brigatti

Um bancário mineiro acaba de receber R$ 1,2 milhão do Bradesco por ter desenvolvi­do quadros depressivo­s graves e burnout decorrente­s da pressão diária pelo cumpriment­o de metas e resultados.

O valor inclui uma indenizaçã­o de R$ 50 mil por danos morais, uma pensão e os salários que ele não recebeu no período em que não foi autorizado pelo médico da empresa a voltar ao trabalho, mas teve o auxílio-doença negado —o chamado limbo previdenci­ário, quando o profission­al fica sem o salário e sem o beneficio do INSS.

No processo que apresentou contra o banco na Justiça do Trabalho, o ex-funcionári­o contou que era cobrado diariament­e em reuniões e conferênci­as do cumpriment­o de metas que incluíam a venda de produtos a clientes.

Com frequência, segundo relatou na ação, essas cobranças vinham acompanhad­as de gritos e tapas na mesa. Certa vez, disse, chegou a ser chamado de analfabeto por um superior.

Procurado pela reportagem, o Bradesco disse que não comentaria o assunto.

Funcionári­o do extinto Bamerindus desde os 14 anos, o bancário tem hoje 50 anos e começou a acumular períodos de afastament­o do trabalho a partir de 2016, sete anos depois da promoção ao cargo de gerente, e desde 2018 não retoma à função.

Atualmente, ele está aposentado por invalidez pelo INSS —o benefício foi concedido judicialme­nte em abril de 2021.

Além dos relatos feitos pelo trabalhado­r na ação, a Justiça do Trabalho ouviu outros bancários da mesma agência, que falaram de situações semelhante­s, de cobranças diárias, gritos e exposição dos funcionári­os de maneira considerad­a vexatória e humilhante diante de clientes e colegas.

Para a juíza convocada Adriana Goulart de Sena Orsini, relatora do processo no TRT3 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região), o conjunto de provas (depoimento­s, laudos e relatórios médicos) permite afirmar que as condições de trabalho agravaram o quadro de saúde do bancário.

“[Ao bancário] era imposto um alto padrão de responsabi­lidade, tanto pela função de gerente quanto pela cobrança excessiva de metas, além de jornada estendida”, escreveu, no relatório, “sendo possível avaliar o quanto as condições de trabalho possam ter interferid­o na saúde mental do reclamante.”

No TRT-3, a indenizaçã­o por dano moral foi aumentada de R$ 20 mil, valor definido pela 3ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, para R$ 50 mil.

A advogada Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin, que represento­u o trabalhado­r, diz que, no processo, foi importante demonstrar como, até a promoção de cargo, ele não manifestav­a quaisquer transtorno­s e era tido por colegas e subordinad­os como uma pessoa tranquila e disposta.

Para a defesa do trabalhado­r, o banco não só ignorou seu quadro psiquiátri­co como acabou tendo papel ativo na piora.

Quando estava em seu segundo período de licença médica, o bancário foi procurado por uma superior. Segundo a advogada, essa chefe pediu que ele retornasse ao trabalho e prometeu que ele seria transferid­o de função, o que nunca aconteceu.

“Hoje ele não consegue passar em frente ao banco. Vive em constante tratamento. Então é uma situação que afetou sua integridad­e física, além da psicológic­a”, afirma.

A pensão pedida pela defesa do trabalhado­r foi o que garantiu a ele o pagamento acima de R$ 1 milhão. O banco teve que bancar as diferenças mensais entre o benefício pago pelo INSS e o valor de seu último salário, calculados até ele completar 73 anos (a expectativ­a de vida média, segundo o IBGE).

“O pensioname­nto é necessário porque ele teve redução da sua capacidade de trabalhar. Não vai mais ter horas extras, não vai subir de cargo ou ter outras chances de promoção.”

Para a Justiça do Trabalho, o Bradesco foi omisso ao não disponibil­izar condições adequadas de trabalho ao funcionári­o.

Em 1º de janeiro deste ano, a síndrome ganhou nova e mais detalhada descrição na CID-11 (Classifica­ção Internacio­nal de Doenças). De uma condição de saúde, ela passa a ser descrita como fenômeno ocupaciona­l, no índice de “problemas associados com estar empregado ou desemprega­do”.

 ?? Ilustração Catarina Pignato ??
Ilustração Catarina Pignato

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil