Justiça avalia se agricultor é gordo em ações de aposentadoria rural
Um trecho abordando o IMC (Índice de Massa Corporal) de agricultores que pedem na Justiça a aposentadoria rural do INSS vem sendo usado repetidas vezes em sentenças de instâncias da Justiça Federal da 5ª Região, que abrange estados do Nordeste.
Em ao menos três casos, o texto indica que, para ser um trabalhador rural, o segurado não poderia estar acima do peso, já que a atividade braçal e o baixo índice de calorias o levariam a ser magro.
A reportagem teve acesso a sentenças que traziam o trecho em seus acórdãos, com exatamente as mesmas palavras. Em dois dos casos, o benefício foi negado. Em outro, houve a concessão.
Os casos obtidos são de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, dois deles com recurso à Turma Recursal. O trecho se repete nas sentenças, chama a atenção e tem provocado polêmica.
“Ainda sobre características físicas, o segurado especial goza de tratamento legal favorecido, mediante a concessão de benefícios previdenciários, no valor de um salário mínimo, independentemente de pagamento de contribuições, porque o exercício de agricultura de subsistência não permite lhe [sic] sobra financeira, isso implica diretamente a restrição à aquisição e, consequentemente, consumo de alimentos, o que reduz a ingestão calórica diária. Isso, aliado ao exercício de extenuante trabalho físico, acarreta baixo índice de massa corporal – IMC (decorrente da razão entre peso e altura) nesse tipo de trabalhadores”, diz.
No caso mais recente, de 2022, o juiz relator negou a aposentadoria rural à trabalhadora que recorreu à Turma Recursal do Rio Grande do Norte e, após citar o trecho polêmico, utilizou outras razões para justificar a negativa. “O início de prova material é insubsistente e a prova oral foi desfavorável”, afirma na sentença, após tomar o depoimento da segurada.
Em outro processo, de 2020, após citar o trecho sobre o IMC, a juíza relatora da Turma Recursal de Pernambuco concedeu o benefício rural, levando em conta os argumentos do segurado. “Verifica-se que o autor tem um grau de instrução baixíssimo, tendo dificuldade de identificar meses e período de tempo, mas explica de modo concatenado a sua atividade no roçado, explicando com clareza de detalhes e correção os passos de seu trabalho”, diz ela.
Em uma decisão recente, tomada na última semana, na cidade de Patos, na Paraíba, a juíza do Juizado Especial Federal negou o direito ao benefício e citou o trecho sobre o IMC do segurado. Antes de indicarem questões relacionadas ao índice de massa corporal, no entanto, os acórdãos trazem outro trecho, também sobre as características físicas do trabalhador rural.
“É sabido que as características físicas do indivíduo dependem tanto do genótipo quanto das condições ambientais a que está exposto. Nesse ponto, é natural e esperado que pessoas submetidas a trabalhos braçais ao ar-livre [sic], a exemplo da agricultura, apresentem calosidades nas mãos e a pele queimada pelo sol.”
Para o advogado Rômulo Saraiva, colunista da Folha ,o uso das características físicas nas sentenças é um “caminho de injustiças”. “Não há exigência na legislação para você receber o benefício previdenciário conforme seu visual.”