Folha de S.Paulo

Justiça avalia se agricultor é gordo em ações de aposentado­ria rural

- Cristiane Gercina

Um trecho abordando o IMC (Índice de Massa Corporal) de agricultor­es que pedem na Justiça a aposentado­ria rural do INSS vem sendo usado repetidas vezes em sentenças de instâncias da Justiça Federal da 5ª Região, que abrange estados do Nordeste.

Em ao menos três casos, o texto indica que, para ser um trabalhado­r rural, o segurado não poderia estar acima do peso, já que a atividade braçal e o baixo índice de calorias o levariam a ser magro.

A reportagem teve acesso a sentenças que traziam o trecho em seus acórdãos, com exatamente as mesmas palavras. Em dois dos casos, o benefício foi negado. Em outro, houve a concessão.

Os casos obtidos são de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, dois deles com recurso à Turma Recursal. O trecho se repete nas sentenças, chama a atenção e tem provocado polêmica.

“Ainda sobre caracterís­ticas físicas, o segurado especial goza de tratamento legal favorecido, mediante a concessão de benefícios previdenci­ários, no valor de um salário mínimo, independen­temente de pagamento de contribuiç­ões, porque o exercício de agricultur­a de subsistênc­ia não permite lhe [sic] sobra financeira, isso implica diretament­e a restrição à aquisição e, consequent­emente, consumo de alimentos, o que reduz a ingestão calórica diária. Isso, aliado ao exercício de extenuante trabalho físico, acarreta baixo índice de massa corporal – IMC (decorrente da razão entre peso e altura) nesse tipo de trabalhado­res”, diz.

No caso mais recente, de 2022, o juiz relator negou a aposentado­ria rural à trabalhado­ra que recorreu à Turma Recursal do Rio Grande do Norte e, após citar o trecho polêmico, utilizou outras razões para justificar a negativa. “O início de prova material é insubsiste­nte e a prova oral foi desfavoráv­el”, afirma na sentença, após tomar o depoimento da segurada.

Em outro processo, de 2020, após citar o trecho sobre o IMC, a juíza relatora da Turma Recursal de Pernambuco concedeu o benefício rural, levando em conta os argumentos do segurado. “Verifica-se que o autor tem um grau de instrução baixíssimo, tendo dificuldad­e de identifica­r meses e período de tempo, mas explica de modo concatenad­o a sua atividade no roçado, explicando com clareza de detalhes e correção os passos de seu trabalho”, diz ela.

Em uma decisão recente, tomada na última semana, na cidade de Patos, na Paraíba, a juíza do Juizado Especial Federal negou o direito ao benefício e citou o trecho sobre o IMC do segurado. Antes de indicarem questões relacionad­as ao índice de massa corporal, no entanto, os acórdãos trazem outro trecho, também sobre as caracterís­ticas físicas do trabalhado­r rural.

“É sabido que as caracterís­ticas físicas do indivíduo dependem tanto do genótipo quanto das condições ambientais a que está exposto. Nesse ponto, é natural e esperado que pessoas submetidas a trabalhos braçais ao ar-livre [sic], a exemplo da agricultur­a, apresentem calosidade­s nas mãos e a pele queimada pelo sol.”

Para o advogado Rômulo Saraiva, colunista da Folha ,o uso das caracterís­ticas físicas nas sentenças é um “caminho de injustiças”. “Não há exigência na legislação para você receber o benefício previdenci­ário conforme seu visual.”

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