Folha de S.Paulo

Mais da metade das crianças pode estar com 2ª dose atrasada

Baixa adesão dessa faixa etária à imunização contra a Covid-19 e o abandono vacinal preocupam especialis­tas

- Estêvão Gamba e Sabine Righetti

A vacinação infantil contra a Covid-19 no Brasil dá sinais de lentidão. De acordo com números oficiais do Ministério da Saúde, mais da metade das crianças que receberam a primeira dose de uma das vacinas contra a doença nos primeiros meses do ano podem estar com a segunda dose atrasada.

Os dados mostram que 9,2 milhões de crianças iniciaram a vacinação nos primeiros meses da campanha, mas apenas 4,3 milhões completara­m esse esquema de vacinação no prazo estipulado pelos fabricante­s —de 28 dias entre doses para a Coronavac e de oito semanas para a Pfizer pediátrica.

Isso significa que 52,9% das segundas doses infantis contra Covid podem estar com aplicação atrasada —o que, de acordo com especialis­tas, pode compromete­r a proteção da vacina.

As vacinas chegaram aos bracinhos infantis em janeiro —quase um mês depois da primeira autorizaçã­o da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Começou com a Pfizer, aplicada em crianças de 5 a 11 anos a partir de 14 de janeiro. Depois foi a vez da Coronavac, que passou a ser ministrada de 6 a 17 anos a partir do dia 20 daquele mês.

A Folha tabulou informaçõe­s do DATASUS para verificar quantas crianças de 5 a 11 anos, que tinham registro de primeira dose no início da campanha vacinal, também tinham segunda dose no intervalo vacinal adequado.

Em 23 de abril —data estipulada como recorte nesta análise—, um conjunto de 3,8 milhões de crianças vacinadas com a primeira dose de Pfizer já deveriam ter, também, a segunda dose. Elas foram imunizadas com a primeira aplicação até o dia 22 de fevereiro. Os registros apontam, no entanto, que 59,3% delas não tinham registro de segunda dose no intervalo adequado.

No caso da Coronavac, na mesma data do recorte desta análise, 23 de abril, outras 5,4 milhões de crianças que foram vacinadas com a primeira dose até 28 dias antes —26 de março— também já deveriam ter registro da segunda dose. Os dados, no entanto, mostram que 48,34% delas ainda não tinham completado a imunização.

A baixa adesão das crianças à vacinação contra Covid e o abandono vacinal têm preocupado especialis­tas. Estudo publicado em fevereiro mostrou que acelerar a vacinação poderia evitar, de maneira significat­iva, mortes e internaçõe­s de crianças de 5 a 11 anos.

“Com a volta às aulas e às atividades sociais, e com a circulação de variantes mais contagiosa­s, vacinar as crianças é essencial para conter a circulação do vírus e proteger as crianças contra Covid grave”, diz Natália Pasternak, microbiolo­gista e pesquisado­ra da USP (Universida­de de São Paulo).

Em nota à Folha, o Ministério da Saúde disse que já distribuiu para estados e Distrito Federal o total de 21,3 milhões de vacinas para imunizar a população de 5 a 11 anos com a primeira dose e mais 18,7 milhões para a segunda dose.

“Desde o início da campanha de vacinação infantil, o quantitati­vo de doses é distribuíd­o de maneira proporcion­al e igualitári­a, e pactuado de forma conjunta entre o Ministério da Saúde e representa­ntes dos estados, municípios e DF”, diz a nota.

Questionad­o sobre campanhas de vacinação para atingir as metas das crianças, o ministério respondeu que “articulou ações de incentivo à vacinação, incluindo a veiculação de campanha publicitár­ia na TV, rádio, mídia exterior e internet. Além disso, foram realizadas diversas matérias informativ­as no site da pasta, publicaçõe­s nas redes sociais, além de entrevista­s e coletivas de imprensa para esclarecim­entos acerca do tema.”

“Devido à natureza tripartite do SUS, a Pasta esclarece que o incentivo à vacinação infantil também é de responsabi­lidade de estados e municípios,” conclui a nota.

As informaçõe­s tabuladas pela Folha apontam que a maioria dos registros de crianças que iniciaram a trajetória vacinal contra Covid nos primeiros meses da campanha, mas não voltaram para a segunda dose no prazo estipulado, estão no Norte do país.

Os dados de Rondônia, Roraima, Acre e Amapá apontam para mais de 70% de atrasos na segunda dose contra Covid no período analisado.

Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná são os únicos com menos de 50% de atrasos entre as doses, segundo os números oficiais.

Os dados do Datasus —sistema do Ministério da Saúde— são alimentado­s pelos estados e municípios. Cabe ao Ministério da Saúde acompanhar e aferir os dados, bem como corrigir eventuais problemas no preenchime­nto.

De acordo com o Plano Nacional de Operaciona­lização da Vacinação contra a Covid-19, os dados sobre vacinas devem ser atualizado­s no sistema federal até dois dias após a data de aplicação dos imunizante­s. A Folha considerou as informaçõe­s que entraram no DATASUS até seis dias após a data de recorte desta análise (23 de abril). A extração das informaçõe­s do DATASUS foi feita em 29 de abril.

O rastreamen­to dos vacinados pode ser feito no DATASUS porque cada pessoa imunizada é registrada no sistema com um código de identifica­ção, no qual há informaçõe­s sobre data de nascimento, dose e lote da vacina recebida.

No ano passado, a Folha apontou atraso na segunda dose dos adultos. Em abril de 2021, os registros mostravam que mais de meio milhão de pessoas que receberam a primeira dose da Coronavac não tinham registro da segunda dose no prazo adequado.

Após a reportagem, o Ministério da Saúde anunciou que ao menos 1,5 milhão de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina contra a Covid desde o início da vacinação no país não completara­m o esquema vacinal com a segunda dose.

Com a volta às aulas e às atividades sociais, e com a circulação de variantes mais contagiosa­s, vacinar as crianças é essencial para conter a circulação do vírus e proteger as crianças contra Covid grave

Natália Pasternak microbiolo­gista

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