Folha de S.Paulo

Robôs humanos

Empresas se dedicam a promover percepções falsas de relevância e repercussã­o nas redes sociais

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Há algo de podre no reino das redes sociais. Num ambiente em que o número de seguidores, curtidas, comentário­s e compartilh­amentos constitui a medida de todas as coisas, vê-se que empresas inflam artificial­mente o “engajament­o” de seus clientes por meio de contas falsas em plataforma­s como TikTok, Facebook e Instagram.

Esses perfis inautêntic­os são controlado­s por pessoas que, atraídas por promessas de ganhos extras, chegam a gerir até 500 contas diferentes, convertend­o-se em verdadeiro­s “bots” (ou robôs) humanos.

Trata-se de uma prática que, obviamente, gera percepções falsas de relevância e repercussã­o.

Uma quantidade maior de curtidas ou seguidores termina por trazer mais visibilida­de àqueles que contratam o serviço, como celebridad­es e políticos, chamando a atenção de marcas interessad­as em patrocinar os perfis e fazendo com que estes sejam privilegia­dos pelos algoritmos das redes, num ciclo que se retroalime­nta.

Ações do tipo violam os termos de uso da maioria das redes sociais que, ao detectarem-nas, costumam suspender ou bloquear os perfis falsos. Há, contudo, uma miríade de truques circulando pela internet para fazer com que as contas pareçam autênticas e consigam driblar as punições que a manipulaçã­o artificial pode acarretar.

A fim de compensar os baixos rendimento­s recebidos, já que o pagamento por interação varia de R$ 0,001 a R$ 0,05, os usuários são incentivad­os a criar múltiplas contas. Para tanto, valem-se de softwares oferecidos pelas próprias empresas que os contratam.

Tais recursos permitem ações de forma automatiza­da —ampliando, assim, o alcance da fraude.

Os números desse mercado são desconheci­dos, mas um estudo recente oferece alguns indícios de sua magnitude a partir da quantidade de acessos individuai­s às principais plataforma­s de cliques.

Em junho de 2021, a Dizu teve 1,3 milhão de visitantes únicos, seguida da GanharNoIn­sta, com 1,2 milhão, da SigaSocial (276 mil), da Kzom (190 mil) e da Everve (67 mil).

Embora inexistam no país leis que vedem a comerciali­zação desse impulsiona­mento artificial, a situação pode mudar caso a Lei das Fake News venha a ser aprovada pelo Congresso —uma vez que o projeto de lei estabelece regras que buscam obstar o funcioname­nto de contas falsas nas redes.

Mas é difícil acreditar que uma lei possa ter alcance amplo se as próprias redes não agirem de forma mais decidida contra o problema.

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