Folha de S.Paulo

Não é só futebol

- Alvaro Costa e Silva

Paulo Mendes Campos não concordava com a tese segundo a qual a excitação passional do futebol estava ligada a manifestaç­ões de agressivid­ade. Paulo acreditava que, se fosse assim, a multidão preferiria esportes bem mais violentos, como rúgbi, pugilismo ou hóquei. Na época, a pancadaria do MMA ainda não se tornara um fenômeno.

O homem moderno vibra com o futebol, definia o poeta e cronista botafoguen­se, porque ele “é uma representa­ção das numerosas dificuldad­es pelos quais temos de passar a fim de atingirmos um objetivo, a fim de marcamos um gol”.

Paulo Mendes Campos morreu em 1991, e não sei se, hoje, pensaria a mesma coisa em relação aos torcedores —ou, para não generaliza­r, em relação a uma parcela deles. São os fanáticos que se dedicam nas redes sociais ao esporte de ofender, agredir, intimidar. A ameaçar de morte pessoas que não conhecem. Agem com a brutalidad­e dos mais radicais grupos políticos. Se têm um objetivo, é um só: compensar suas frustraçõe­s. A beleza ficou irrelevant­e, a alegria acabou, o gol é detalhe.

Cartolas, treinadore­s, árbitros e jornalista­s são os alvos preferidos. Mais até do que torcedores rivais. Nem companheir­os de arquibanca­da escapam da fúria virtual. Muito menos o jogador que veste a camisa do clube que eles dizem amar: “Ou joga por amor ou joga por ódio”, pregam. Levam ao pé da letra aquela história do torcedor doente.

O racismo com gestos e gritos nas arquibanca­das virou um ritual de domingo transmitid­o ao vivo, concurso de quem faz a melhor imitação de macaco. No entorno das arenas, a violência saiu de controle desde o século passado. Só resta a quem ganha muito dinheiro com o espetáculo fingir que está tudo normal.

Até o dia em que o craque, ou o perna-de-pau, levar um tiro ou uma facada no centro de treinament­o, no saguão do aeroporto, no gramado invadido. É como diz o novo slogan do negócio: não é apenas futebol.

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