Folha de S.Paulo

O advogado Nelson Wilians Extremos, cadê as propostas?

- Nelson Wilians* * Empreended­or e advogado

“O melhor governo é aquele que governa menos” (Henry David Thoreau).

Não é o desacordo sobre as grandes questões nacionais que polarizam o país entre esquerda e direita. A maioria dos brasileiro­s apoia o regime democrátic­o, a Constituiç­ão e aspira a perspectiv­a de uma vida melhor, com mais oportunida­des e justiça social. E a maioria não aceita violações morais, ainda que uma pequena parcela leve em consideraç­ão a fidelidade político-ideológica do violador.

Somos mais emocionalm­ente polarizado­s do que divididos por nossos ideais democrátic­os, acabamos reagindo mais ao mensageiro do que à mensagem. Normalment­e aqui a culpa é do sofá, sei que alguns entenderão.

Ainda que Bolsonaro seja apontado como a principal causa da polarizaçã­o, e ele é responsáve­l por colocar muita lenha na fogueira, vale lembrar que a política brasileira já estava dividida em 2017, antes de sua eleição, portanto. O “Fla-Flu” eleitoral não é de hoje.

Como avaliam pesquisado­res, acredito que a polarizaçã­o é, sobretudo, um problema de uma comunicaçã­o tóxica, que, como o patriotism­o, visa destruir o outro lado como objetivo final. Isso não só coloca a democracia em risco como também a capacidade do país de enfrentar seus desafios socioeconô­micos mais urgentes.

A perspectiv­a de que o próximo presidente eleito “leva tudo” não é real. E isso vale para um governo bolsonaris­ta ou lulista. Basta ver os revezes que ambos tiveram em suas jornadas como presidente, com derrotas no Congresso, na mídia e na Justiça, dentro dos limites democrátic­os e graças à solidez de nossas instituiçõ­es.

Algum nível de conflito é bom e natural para a sociedade (“toda unanimidad­e é burra”), e, em determinad­os contextos, a polarizaçã­o pode aumentar a participaç­ão política. Uma maior participaç­ão não impede necessaria­mente que a política seja menos polarizada, mas pode equilibrar os extremos. Claro que é preciso considerar quais tipos e níveis de conflito trazem resultapar­a dos positivos.

Oques e verifica até aqui, coma atual divisão esquerda-direita, aliás, diga-se, em torno de nomes, é que além de enfraquece­r os mecanismos eleitorais, eclipsa o debate de propostas de governo, justamente nesse momento em que o país passa por uma crise inflacioná­ria e os baixos índices econômicos aprofundam as desigualda­des sociais.

Há um deserto de propostas. A entrevista do ex-presidente Lula à revista “Time” talvez explique essa postura eleitoral :“agente não discute política econômica antes de ganharas eleições ”, disse ele .“Primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que você vai fazer ”. Claramente, isso é uma desconstru­ção de princípios.

A polarizaçã­o dificulta as respostas aos desafios sociais à medida que a influência dos “intermediá­rios” diminui, com políticos e eleitores mais individual­istas. Com isso, “o caos se torna o novo normal tanto nas campanhas quanto no próprio governo” ( Jonathan Rauch).

Estabelece-se assim um círculo de conflito baseado em identidade, perdendo-se de vista os objetivos comuns que, em síntese, são os de colocar o país nos trilhos do desenvolvi­mento e do cresciment­o econômico. Ao se fechar a políticas exclusivam­ente propostas por seus grupos, e não por ideias que possam beneficiar a todos, cai-se no debate fácil, que deixa as grandes questões sociais, econômicas e ambientais de fora.

Embora muitos fatores nos tenham levado a chegar a essa polarizaçã­o, independen­temente de nossa vontade, é preciso pensar em saídas. E a primeira coisa a mudar é o foco de nossa atenção, menos no candidato, mais nas suas propostas para o desenvolvi­mento do país e a condução da administra­ção pública pelo período de seu mandato.

Obviamente, essa avaliação está absolutame­nte conectada ao conhecimen­to que temos desses candidatos, de sua postura e cumpriment­o de promessas feitas em outras ocasiões e sua capacidade de liderar o país com serenidade em busca de objetivos comuns. Com raras exceções, a maioria deles é de velhos conhecidos, sabemos bem seus pensamento­s, atitudes e o que fizeram quando foram governo ou são governo.

O equilíbrio está correlacio­nado coma probabilid­ade de que cada brasileiro­s in taques eu voto faz a diferença eque votarem políticas é mais importante do que escolher partidos e nomes. Isso não impede necessaria­mente a polarizaçã­o, mas torna mais difícil o domínio dos extremos.

A ex-primeira-ministra britânica Theresa May criticou a perspectiv­a universali­sta, afirmando: “Se você acredita que é um cidadão do mundo, você é um cidadão de lugar nenhum”. Mal-ajambrando a frase, diria: se você é de um extremo, em determinad­os momentos, pode não ser de lugar nenhum.

“Aquele que quer tornar sua própria liberdade segura deve proteger até mesmo seu inimigo da opressão; pois se ele violar esse dever, ele estabelece um precedente que chegará asi mesmo” (Thomas Paine).

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Emerson Lima

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