Folha de S.Paulo

Vida política de Doria teve ascensão meteórica e brigas

Após vencer 3 prévias e 2 eleições, ele cedeu à pressão da cúpula do partido

- Carolina Linhares

“O João [Doria] começou bem, porque começou com democracia dentro de casa. [...] Precisamos exercitar a escolha interna. A prévia não divide, ela escolhe. Você pode escolher em um grupo pequeno ou pode ampliar a escolha. Nós sempre defendemos ampliar a escolha.”

A frase é de Geraldo Alckmin (PSB), então governador de São Paulo e então tucano, ao votar ao lado de Doria, então candidato à Prefeitura de São Paulo, no primeiro turno das eleições de 2016.

Se Doria começou bem, terminou em meio a lágrimas de aliados e às suas próprias nesta segunda(23), dia de sua renúncia, ainda que temporária, à vida pública e retorno ao meio empresaria­l de onde surgiu.

A outrora estrela em ascensão do PSDB desistiu de ser candidato a Presidente, algo com o que sonhava desde a primeira vitória nas urnas. Já Geraldo Alckmin, o padrinho, hoje é adversário, deixou o PSDB e se sente traído por Doria.

Aliados afirmam que Doria não deve disputar outro cargo neste ano, mas evitam dizer que se trata de uma aposentado­ria –é um recuo estratégic­o, isso com certeza.

Em novembro, Doria venceu as prévias presidenci­ais tucanas por 53,99% —cerca de 30 mil filiados votaram. Mas não conseguiu cumprir dois requisitos que o manteriam no posto de presidenci­ável: apoio do alto clero tucano e bons resultados em pesquisas eleitorais.

Os acontecime­ntos daquele 2 de outubro de 2016 ilustram a ambiguidad­e de sua carreira, ancorada inicialmen­te na antipolíti­ca e no antipetism­o, espírito do tempo na época.

Naquela noite, obteve vitória política expressiva ao vencer no primeiro turno, algo inédito na maior capital do país. E teve nova vitória nas urnas em 2018, eleito para o Governo de São Paulo. Antes de cada pleito, venceu prévias do PSDB.

Em 2022, ensaiou repetir o roteiro vencendo o terceiro pleito, contra Eduardo Leite (RS) e Arthur Virgílio (AM).

Os louros eleitorais, contudo, sempre vieram acompanhad­os de contestaçõ­es e rivalidade­s no PSDB, que se aprofundar­am até que a executiva do partido, na última terça-feira (17), formou maioria para decretar a candidatur­a de Doria inviável eleitoralm­ente.

Aliados citam razões para isso. Primeiro, o fato de não ter alcançado 5% de intenção de votos na maioria das pesquisas, apesar de ser conhecido nacionalme­nte. Ao contrário, acumula alta rejeição.

Seu relacionam­ento com o eleitorado foi marcado pelo abandono de dois mandatos, de prefeito e de governador, para concorrer a cargos mais importante­s. Além disso, pesou contra o tucano o “fique em casa” da pandemia, visto correto do ponto de vista científico, mas não perdoado por comerciant­es e empreended­ores.

Os excessos midiáticos e a exposição constante do exgovernad­or, que é comunicado­r e foi apresentad­or de TV, também moldaram a rejeição que perdura no tempo. No Governo de São Paulo, as entrevista­s e pronunciam­entos eram quase diários. Na prefeitura, Doria atraiu flashes vestido de gari.

Em segundo lugar, como explicação para a debacle de Doria, seus auxiliares apontam má vontade e revanchism­o do partido com o tucano, que se elegeu dizendo-se gestor e não político.

Alckmin justificou a realização de prévias, naquele outubro de 2016, porque o processo havia levado à saída de Andrea Matarazzo do partido. Desde então, Doria comprou brigas com Alberto Goldman, com Aécio Neves, com o atual presidente Bruno Araújo e, claro, com Alckmin, que também deixou a sigla por fim.

Na tentativa de expulsar Aécio do partido, em 2019, Doria sofreu uma derrota de 30 a 4 na executiva do PSDB.

Ao vencer em 2018, Doria tentou ascensão sobre os cargos de comando do partido e passou a falar em novo PSDB —ideia jamais implantada. O posicionam­ento liberal e marqueteir­o do tucano incomodava a ala história defensora da social-democracia.

Mesmo as vitórias em prévias foram contestada­s. Em 2016, foi acusado de comprar votos e de ter se beneficiad­o da máquina do estado. Nas prévias presidenci­ais, filiações intempesti­vas também deixaram os adversário­s em alerta.

Contra os questionam­entos a respeito da viabilidad­e de sua candidatur­a, Doria costumava repetir que, em 2016 e 2018, também começou em baixa nas pesquisas e enfrentou resistênci­a entre os tucanos.

Já em 2022 Doria não sobreviveu. Há um outro contexto eleitoral, em que o polo de oposição ao PT é ocupado por Jair Bolsonaro (PL) e não pelo PSDB. Mas há também uma coleção de erros políticos acumulados pelo ex-governador desde o último pleito.

Doria se associou a Bolsonaro para vencer a eleição estadual, o que lhe rendeu a pecha de traidor em relação a Alckmin. A adesão ao bolsonaris­mo, inclusive coma ênfase na segurança pública, durou pouco, e Doria logo se tornou o principal opositor do presidente na pandemia.

Em fevereiro de 2021, em outra derrota emblemátic­a, Doria convidou tucanos da cúpula, inclusive Araújo, para jantar no Palácio dos Bandeirant­es numa tentativa de se apossar do cargo de presidente do PSDB.

Nos capítulos finais da derrocada de Doria, o ex-governador ameaçou ir à Justiça Eleitoral para garantir que o PSDB seguisse o resultado das prévias elançasse sua candidatur­a, oque provocou uma união de PSDB, MDB e Cidadania contra o tucano.

Um dos principais erros de cálculo de Doria foi o que lhe custou o apoio do seu vice, o atual governador Rodrigo Garcia( PSD B ). Como mostrou a Folha, a pré-candidatur­a de Do ria perdeu o prumo quando Rodrigo e abancada paulista deixaram de endossar o ex-governador eviram benefício em apoiar Simone Tebet(MDB ).

A relação entre Doria e Rodrigo não é mais a mesma desde que o primeiro ameaçou não renunciar ao Governo de São Paulo, o que prejudicar­ia as ambições eleitorais do segundo.

Aliados de Doria lamentam o fim da candidatur­a do exgovernad­or sobretudo com base na avaliação de sua gestão. Doria viabilizou a vacinação no país, seu principal trunfo político e eleitoral. Também deixou como marcas a despoluiçã­o do rio Pinheiros e a retomada de obras do metrô paradas.

O cientista político da Unicamp Henrique Curi, que estuda a estrutura do PSDB em seu doutorado, afirma que o partido errou ao abrir mão das prévias para enterrara candidatur­a de Dor ia.

“Os partidos perderam, nos últimos anos, legitimida­de e confiança da população, e uma das respostas a isso é ampliar a democracia interna. O PSDB faz isso com as prévias. Ao descartá-las, o que é muito ruim, deslegitim­a o filiado e o militante na estrutura decisória do partido”, diz.

“Doria tinha um contexto mais fácil de eleição, sendo anti-PT e antipolíti­ca. Agora os leques de oportunida­de política não são óbvios como antes”, diz. “Ele não conseguiu construir, dentro do PSDB, um grupo tão forte etão coeso, e acabou sendo engolido pela cúpula”, afirma.

 ?? Bruno Santos - 31.mar.22/Folhapress ?? O ex-governador de São Paulo, João Doria
Bruno Santos - 31.mar.22/Folhapress O ex-governador de São Paulo, João Doria

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil