Folha de S.Paulo

TSE recua, e Arthur Lira tira vice-presidente da Câmara

Destituiçã­o de Marcelo Ramos do cargo se deu por pressão de Bolsonaro

- Danielle Brant e Marcelo Rocha

BRASÍLIA Após recuo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializo­u em ato publicado nesta segunda-feira (23) a convocação de nova eleição para o cargo de vice-presidente da Casa e para outros dois postos da Mesa Diretora.

As urnas para essa eleição já foram instaladas no plenário da Câmara. A vaga de vice vai ser disputada por um deputado do PL, partido de Jair Bolsonaro. Em live no dia 12 de maio, o presidente afirmou ter pedido ao partido de Valdemar Costa Neto para destituir Marcelo Ramos, que é seu opositor e trocou o PL pelo PSD de Gilberto Kassab.

Lira fará novas eleições para preencher não só a vicepresid­ência, mas também a segunda secretaria, ocupada por Marília Arraes (PE) — que saiu do PT para o Solidaried­ade—, e a terceira secretaria, hoje com Rose Modesto (MS) —que trocou o PSDB pela União Brasil. As vagas serão disputadas por deputados do PT e do PSDB.

A eleição será presencial. As candidatur­as poderão ser registrada­s até 19h desta terça (24). No PL, um dos nomes apontados como candidato ao posto de vice é o do deputado Vitor Hugo (GO). Mas há quem avalie que o parlamenta­r não concorreri­a, por ser pré-candidato ao governo de Goiás.

Como revelou a Folha ,oPL pressionou Lira a retirar Ramos da vice-presidênci­a da Casa para tentar emplacar um deputado da sigla no posto.

A ofensiva começou há cerca de um mês, mas foi intensific­ada após as críticas do amazonense a decretos que reduzem o IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) e afetam a zona franca de Manaus.

Ramos recorreu ao TSE e conseguiu decisão a seu favor de Alexandre de Moraes, considerad­o adversário do Planalto.

Moraes determinou que o presidente da Câmara se abstivesse de acatar qualquer deliberaçã­o do PL que buscasse afastar ou substituir o deputado da vice-presidênci­a da Casa legislativ­a. O ministro, porém, recuou nesta segunda e revogou sua própria decisão.

Ele disse que a liminar garantia a Ramos o mandato até o reconhecim­ento de justa causa para a desfiliaçã­o. Questão essa, segundo ele, superada em razão de carta anexada ao processo em que Valdemar Costa Neto concordou com o desligamen­to do ex-correligio­nário.

Sobre perda de cargo na Mesa Diretora por motivo de desfiliaçã­o partidária, Moraes afirmou que eventual ilegalidad­e no ato do comando da Casa deve ser avaliada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Ramos disse que não pretende recorrer. “Respeito a decisão dele [Moraes], e, diferentem­ente do presidente da Câmara que disse por todos os cantos que desobedece­ria a decisão anterior dele, eu quero dizer que obedeceria a decisão dele e não criarei mais instabilid­ade política na Câmara.”

Disse ainda que não vai recorrer nem internamen­te nem ao STF. “Não me sinto à vontade de, num país com 19 milhões de pessoas passando fome, 13 milhões de desemprega­dos e inflação descontrol­ada, gastar minhas energias brigando por um cargo”, disse.

“Ser vice-presidente ou não não muda a vida de ninguém. O que muda a vida das pessoas é eu lutar contra a fome, contra o desemprego e contra a inflação, é com isso que vou gastar minhas energias.”

Desde que Moraes tomou a decisão em favor de Ramos, líderes alinhados a Lira defendiam que ele descumpris­se a determinaç­ão judicial.

Para eles, o Judiciário não poderia intervir em uma situação “interna corporis”, ou seja, interna da Câmara.

Aliados de Lira também afirmavam que o PL tinha direito de reivindica­r o cargo de vice.

O regimento interno da Casa diz que o membro da Mesa Diretora que trocar de partido perde automatica­mente o cargo que ocupa. A vaga, então, é preenchida após nova eleição.

A regra é reforçada por um artigo da Lei dos Partidos, que também estabelece a perda automática de função ou cargo na Câmara do parlamenta­r que deixar o partido pelo qual

“Não me sinto à vontade de, num país com 19 milhões de pessoas passando fome, 13 milhões de desemprega­dos e inflação descontrol­ada, gastar minhas energias brigando por um cargo

Marcelo Ramos (PSD-AM)

deputado federal

tenha sido eleito. O objetivo é manter a proporção partidária.

Ramos usava dois argumentos para defender a manutenção do cargo. O primeiro era que, em 2016, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PTB-SP, na época MDBRJ), em resposta a um questionam­ento sobre o tema, decidiu que o termo “legenda partidária” poderia ser interpreta­do de modo amplo como “partido ou bloco parlamenta­r”.

Com isso, indicou que uma mudança de partido dentro do mesmo bloco parlamenta­r não alteraria a representa­ção proporcion­al da Mesa. Como o PSD fazia parte do bloco de Lira na eleição para a atual Mesa Diretora, Ramos não seria afetado pela regra regimental.

Também usava em sua defesa a carta de anuência enviada pelo partido de Valdemar Costa Neto na ação de desfiliaçã­o por justa causa. No documento, o PL diz que decidiu não utilizar as prerrogati­vas do artigo 26 da Lei dos Partidos —o dispositiv­o que prevê a perda automática do cargo em caso de troca de legenda.

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Michel Jesus - 6.jun.21/Câmara dos Deputados O deputado federal Marcelo Ramos

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