Folha de S.Paulo

‘Soldado da esquerda’, brasileiro assessora favorito na Colômbia

Consultor de Gustavo Petro, Amauri Chamorro vê desafios para campo político nas redes sociais

- Sylvia Colombo

Buenos aires O consultor político Amauri Chamorro busca adotar um perfil discreto. A postura está ligada em parte a sua personalid­ade, mas, para ele, atuar como marqueteir­o de candidatos de esquerda em países da América Latina é mais que um trabalho: Chamorro se considera um “soldado da segunda e definitiva independên­cia” da região.

A discrição, por outro lado, tem a ver com acusações feitas na ocasião em que desenhou a estratégia de mídias sociais do equatorian­o Rafael Correa. A campanha do ex-presidente, hoje exilado na Bélgica, foi alvo de denúncias de que tinha armado “troll centers”, uma espécie de gabinete do ódio virtual para difamar opositores e influencia­r a narrativa nas redes. Chamorro nega que tenha atuado fora da lei.

Sua atuação na campanha presidenci­al colombiana como colaborado­r na consultori­a política da coalizão de esquerda Pacto Histórico, do líder nas pesquisas Gustavo Petro, vinha sendo também discreta e informal. Isso até o momento em que Daniel Quintero, prefeito de Medellín e membro da aliança, foi suspenso do cargo pela Procurador­ia, acusado de realizar propaganda política —o que a lei eleitoral do país proíbe.

Chamorro foi chamado a acudir Quintero. Voou de Bogotá, onde está trabalhand­o, a Medellín e subiu com o político no palco, buscando ajudar na operação de contenção de danos e na campanha que o prefeito suspenso faz para tentar voltar ao cargo. Aí então a presença nos bastidores foi descoberta e ele virou alvo de atenção e ataques nas redes —chegou até mesmo a ocupar os temas mais comentados no Twitter colombiano.

Chamorro não é parte da equipe oficial de comunicaçã­o e propaganda de Petro, mas como consultor político dos candidatos do Pacto Histórico desenhou, entre outras coisas, a estratégia de comunicaçã­o digital do candidato presidenci­al colombiano.

A eleição terá seu primeiro turno no próximo domingo (29). As pesquisas mais recentes indicam uma liderança clara do esquerdist­a Petro (40,6%), seguido pelo direitista Federico “Fico” Gutiérrez (27,1%), ex-prefeito de Medellín, e pelo populista de direita Rodolfo Hernández (20,9%).

O terceiro vem em uma escalada, na qual já atropelou o centrista Sergio Fajardo nas intenções de voto e acaba de receber o apoio de Ingrid Betancourt, que desistiu da campanha. Se houver segundo turno, será feito em 19 de junho.

Depois de trabalhar com o equatorian­o Rafael Correa, Chamorro participou das campanhas de Pedro Castillo no Peru, Nicolás Maduro na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Sanchez Cerén em El Salvador e, mais recentemen­te, Andrés Arauz, apadrinhad­o de Correa derrotado na última eleição no Equador.

Ele também assessora mandatário­s, fazendo análises da conjuntura política. “É muito duro para mim estar exposto como alguém que colabora com a esquerda porque há um estigma muito grande sobre esse campo. Já recebi várias ameaças, até coroa de flores já entregaram na minha casa”, conta o consultor à Folha, por telefone, de Medellín.

Filho de militantes de esquerda, Chamorro nasceu em Quito em 1978. Sua mãe, que é brasileira, havia se exilado por causa da ditadura militar e conheceu lá o marido, equatorian­o. A família depois se mudou para o Brasil, e o consultor cresceu em São Paulo, para mais tarde estudar jornalismo na Universida­de Anhembi Morumbi e ir à Espanha para pós-graduação em comunicaçã­o estratégic­a.

Para Chamorro, é equivocado dizer que a Colômbia é um país conservado­r e que, por isso, nunca teve um presidente de esquerda. “A esquerda democrátic­a não teve condições de romper com as estruturas de poder da elite. Quando se fundou o partido União Patriótica, com ex-guerrilhei­ros que se compromete­ram a desmobiliz­ar a luta armada, eles foram praticamen­te todos exterminad­os”, afirma.

“Depois disso, a esquerda carregou certo estigma da relação com a guerrilha, mas é importante lembrar que a esquerda mais democrátic­a, que surge com o Partido Liberal, também foi perseguida.”

Era dessa legenda Luis Carlos Galán, morto em um comício quando concorria à Presidênci­a, em 1989. Chamorro acrescenta o assassinat­o de Jorge Eliecér Gaitán, em 1948, aos duros golpes às forças progressis­tas. “E apenas agora, em 2022, temos um candidato de esquerda com chances de vencer”, diz o consultor.

Mas ele pondera que mesmo nesse cenário foram registrada­s conquistas sociais caras a esse campo. “Tanto há um pensamento progressis­ta enraizado na Colômbia que os avanços nos direitos civis são possíveis, como a questão da eutanásia”, afirma Chamorro.

Ele diz acreditar que há menos pontos comuns entre a “nova esquerda”, que vem ganhando eleições nos países da região, e a onda que governou nos anos 2000-2010. “Existem contradiçõ­es de posturas e de compromiss­os”, aponta, lembrando que alguns mandatário­s buscam se distanciar dos regimes de Venezuela, Nicarágua e Cuba, “que tiveram de adotar posturas contraditó­rias para chegar ao poder”.

Segundo ele, há ainda diferenças de origem. “[O chileno Gabriel] Boric vem de uma esquerda estudantil não muito internacio­nalizada, enquanto [o boliviano Luis] Arce e [o argentino Alberto] Fernández são ex-funcionári­os de gestões anteriores e têm mais experiênci­a, embora tenham ainda de afirmar sua imagem, diferentem­ente de Lula —se ele ganhar, todos o conhecem”, diz.

“O que une essas esquerdas é o enfrentame­nto a esse obscuranti­smo fascista que existe hoje em vários países.”

Para ele, a comunicaçã­o da esquerda nas eleições da América Latina tem errado ao colocar o foco apenas nas redes sociais. “É hora de abandonar o Twitter e voltar às ruas. É a força que esse campo possui.”

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Juan David Duque/Divulgação O consultor político Amauri Chamorro, que atua na campanha colombiana

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