Folha de S.Paulo

A nova normalidad­e da Covid na China

Desacelera­ção chinesa é novo risco em cenário que já era desafiador para o Brasil

- Cecilia Machado Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

A orientação de Xi Jinping em reunião do Partido Comunista no início do mês foi clara: o país segue aderindo de forma inquestion­ável à estratégia de baixa tolerância à Covid-19. A desistênci­a da China de sediar a Copa Asiática de 2023, um torneio de futebol que aconteceri­a apenas em junho e julho do ano que vem, alimenta especulaçõ­es de que o país ainda irá perseverar nessa estratégia por um bom tempo.

O controle da nova onda de contágios —que se deu através de lockdowns e restrições de mobilidade severas— já se reflete na reversão e na melhora nos números de novos casos de Covid-19, e apenas poucas entre maiores e mais populosas cidades chinesas seguem com controles mais estritos, como é o caso de Xangai. As demais cidades ensaiam caminho a uma nova normalidad­e, que, no caso da China, envolve testagem em massa, quarentena­s e controle das fronteiras.

No pano de fundo está a visão de que a estratégia chinesa em 2020 foi muito exitosa, permitindo rápida recuperaçã­o da atividade logo no início da pandemia. A economia asiática cresceu 2,2% e 8,1% nos dois últimos anos, e o sucesso na contenção do Covid-19 é visto com enorme orgulho pela população, já que poupou 1,4 bilhão de pessoas dos altos índices de mortalidad­e vistos no mundo, em contraste marcante com o mais de 1 milhão de mortes nos Estados Unidos.

Para os que questionam a eficácia de estratégia chinesa ante as novas variantes mais contagiosa­s e menos letais —que aumentam em muito o custo econômico de sua contenção—, um recente estudo publicado na Nature Medicine dá sustentaçã­o ao posicionam­ento do governo chinês, argumentan­do que, sem ele, o nível de imunização atingido pela campanha de vacinação chinesa até março de 2022 causaria uma tsunami de mortes (1,55 milhão), sobrecarre­gando o sistema de saúde em até 15,6 vezes sua atual capacidade de atendiment­o.

Pelo estudo, a previsão era que a maioria das mortes ocorresse na população não vacinada acima de 60 anos, para o qual a imunização segue aquém do ideal. Cerca de 216 milhões de idosos (82% dessa população) têm ao menos duas doses de vacinas, dos quais apenas 164 milhões (62% dessa população) tomaram a dose de reforço. Uma precondiçã­o importante para qualquer política de relaxament­o na política de tolerância zero à Covid-19 é o aumento da cobertura vacinal dos idosos na China, algo que ainda deve levar meses para acontecer.

Se abandonar a estratégia de Covid zero parece estar fora de questão no atual momento, o centro das atenções volta-se para o quão distante da meta de algo em torno de 5,5% será o cresciment­o da China em 2022. Diversos indicadore­s apontam para a já esperada desacelera­ção da economia chinesa em resposta aos lockdowns.

O valor adicionado da indústria e as vendas de varejo declinaram pela primeira vez desde fevereiro de 2020, início da pandemia. E o setor imobiliári­o segue em queda livre apesar das diversas medidas de incentivo direcionad­as a ele. O principal vetor positivo da economia chinesa —o setor externo— ainda cresce, porém a taxas menores.

Para os mais otimistas, a esperança é que, após a tempestade (dos lockdowns), venha a bonança (de cresciment­o), e que a desacelera­ção da economia seja temporária. Para os mais pessimista­s, a desacelera­ção tem raízes estruturai­s, e o arsenal de políticas de estímulo que está sendo colocado —como investimen­tos massivos em infraestru­tura, a redução de juros para empréstimo­s longos e hipotecas e a compensaçã­o de créditos tributário­s— ainda é muito tímido para reverter o destino de cresciment­o para a economia chinesa nos próximos anos.

Como segunda maior economia do mundo, a desacelera­ção da China acrescenta riscos à recuperaçã­o global no pós-Covid, especialme­nte para países emergentes e exportador­es de commoditie­s.

Se, para o Brasil, o cenário já era desafiador, com o aperto das condições financeira­s internacio­nais e toda a volatilida­de trazida pelo ciclo eleitoral, tem-se agora um terceiro ingredient­e que é tão importante quanto os demais.

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