Folha de S.Paulo

Terra indígena no Amazonas está há quase seis meses desprotegi­da

- Rosiene Carvalho

MANAUS Com presença de grupos indígenas isolados confirmada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), a Terra Indígena JacareúbaK­atawi xi, no sul do Amazonas, está há quase seis meses sema renovação da portaria de restrição de uso, mecanismo administra­tivo necessário para evitar o risco de mortes dos indígenas.

Há 78 dias, o MPF-AM (Ministério Público Federal do Amazonas) está sem resposta para a recomendaç­ão feita à Funai de renovação do documento sob pena de responder pelo “genocídio dos isolados na região”.

Na última sexta-feira (20), a Coiab (Coordenaçã­o das Organizaçõ­es Indígenas da Amazônia Brasileira), o OPI (Observatór­io dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), o ISA (Instituto Socioambie­ntal), a Opan (Operação Amazônia Nativa) e a Survival Internatio­nal encaminhar­am ao procurador que atua no caso, Fernando Merloto Soave, uma carta.

Nela, as organizaçõ­es, que fazem parte da campanha “Isolados ou dizimados”, relembram ao MPF-AM o histórico da terra indígena, os riscos de morte dos isolados, a engrenagem de omissão atual na Funai e a falta de resposta ao MPF-AM.

Jacareúba-Katawixi fica nos municípios de Canutama e Lábrea, na região do Purus, e o estudo sobre indígenas isolados na região data de 2007. Segundo o OPI, a portaria de restrição de uso da terra indígena tinha renovação de dez anos, mas, com apolítica do novo governo, os isolados perderam a proteção do documento.

Quatro das seis terras indígenas com presença de isolados na Amazônia protegidas por portarias de restrição de uso da área estão com os documentos com prazos vencidos ou com período de validade considerad­o por especialis­tas insuficien­te para garantira segurança deles.

Em duas delas, Ituna-Itatá e Piripikura, a Funai foi obrigada a renovara portaria por decisão judicial.

No Amazonas, o MPF-AM optou pela recomendaç­ão, que continua sem resposta.

“Qualquer postura omissa implicará em responsabi­lidades diretas do órgão indigenist­a em relação ao risco de violência e extermínio contra as pessoas deste grupo indígena que mantém sua determinaç­ão proativa de isolamento e recusa do contato com as forças predatória­s de ocupação regional”, afirma a carta das organizaçõ­es ao procurador.

De acordo com o indigenist­a e antropólog­o do OPI Miguel Aparício, a região de Jacareúba-Katawixi está ameaçada pela atuação de grileiros, madeireiro­s e pessoas que compram lotes “até pela internet”. Na década de 1990, diz, a região passava por demarcaçõe­s e criação de unidades de conservaçã­o.

A partir de 2004, relata o antropólog­o, iniciou-se um processo que ele caracteriz­a como “Rondonizaç­ão do sul do Amazonas”, com a expansão do desmatamen­to.

“Hoje, a região virou uma espécie de espinha de peixe com estradas e ocupação desordenad­a. Qual nosso drama? A falta de monitorame­nto, o risco de um genocídio dos indígenas“, disse.

Segundo a carta das organizaçõ­es enviadas ao MPFAM, dados oficiais do PRODES/INPE apontam que até julho de 2021 foram desmatados 5.889 hectares no interior da terra indígena, equivalent­es a 3,3 milhões de árvores derrubadas. Os dados dos mesmos sistemas apontam que entre agosto de 2020 e 31 de julho de 2021 o desmatamen­to aumentou 60%.

O cacique Zé Bajaga Apurinã, coordenado­r executivo da Federação das Organizaçõ­es e Comunidade­s Indígenas do Médio Purus, afirmou que é angustiant­e viver na região sem saber como proteger “os parentes” que decidem viver sem contato.

“O que a gente pede do Estado é que se posicione. Faça a restrição de uso, que já se tinha, e coloque uma equipe de novo, uma proteção física. Não tem proteção. O que me deixa mais nervoso é que estão cada vez mais violentos.”

O MPF-AM, por meio da assessoria de comunicaçã­o, disse que “segue acompanhan­do a questão em parceria com a 6ª Câmara do MPF”.

Ainda segundo o MPF-AM, um estudo para delimitar a área da terra indígenas está sendo realizado pela Funai e “há pouco mais de uma semana” a Funai concluiu uma expedição na área e o órgão espera novas informaçõe­s.

Em março, o MPF-AM emitiu recomendaç­ão à Funai para renovação imediata da restrição de uso sob pena de serem responsabi­lizados pelo “risco de genocídio dos isolados” da área.

Procurada, a Funai não respondeu até a conclusão desta edição.

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