Folha de S.Paulo

Irmãos Dardenne repetem voyeurismo com imigrantes africanos

- Leonardo Sanchez

cannes (frança) Os irmãos belgas Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne voltaram à Riviera Francesa pela nona vez para apresentar “Tori et Lokita”, nesta terça-feira. O filme concorre à Palma de Ouro seguindo as mesmas fórmulas que os levaram a Cannes em anos anteriores, como em “A Criança” e “Rosetta”. Ambos renderam à dupla o maior prêmio do festival e coroam a lista de diversos troféus que eles já receberam no evento francês.

Mais uma vez, há um drama familiar misturado a uma denúncia social, fusão que marca a trajetória dos Dardenne.

Em “Tori et Lokita”, os personagen­s do título são irmãos que imigraram para a Bélgica —o pequeno conseguiu um visto permanente porque era perseguido em seu país natal, enquanto a mais velha fracassa ao tentar fixar residência ali.

Os problemas que eles enfrentam partem daí, de uma óbvia observação de que a sociedade belga —quer dizer, a Europa— não está pronta para receber e integrar estrangeir­os.

Daí, uma série de desgraças recai sobre os irmãos. Eles têm de recorrer à venda drogas para um chef de cozinha mau caráter para conseguir dinheiro. Lokita precisa dividir o pouco que ganha com a mãe, que ficou na África e a repreende sempre que possível, e com o homem que a levou clandestin­amente para a Bélgica. Para lidar com as supostas dívidas, faz sexo oral no mesmo chef que a subemprega.

A África referida acima, por mais ampla que seja, é a única dica das origens dos irmãos. Não há menção ao país, nem no filme, nem na sinopse. O fato já evidencia bem o grande problema de “Tori et Lokita”, incapaz de tirar os protagonis­tas da unidimensi­onalidade.

Eles são refugiados ou imigrantes que sofrem. E só. Lokita é jovem, mas não parece ter personalid­ade, gostos ou sonhos. Tori, igualmente, teve de crescer cedo por causa de sua situação, mas não brinca ou pede muita coisa.

São os Dardenne apresentan­do, de novo, uma visão limitada e voyeurista de problemas sociais que não atingem diretament­e os europeus brancos de classe média para cima.

Deve agradar a alguns deles —era o que já indicavam os sotaques britânicos e o francês que elogiavam a trajetória dos Dardenne após uma sessão de imprensa. Mas “Tori et Lokita” não tem muito de novo a ser dito, situação que não é contornada por personagen­s ricos ou aprofundad­os.

A dupla de irmãos africanos sofre, sofre e sofre e não chega a lugar nenhum, enquanto a dupla de irmãos belgas os filmam, filmam e filmam e chegam cada vez mais longe.

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