Folha de S.Paulo

‘Stranger Things’ fica mais sombria em quarta temporada sem crianças

Após Covid, série fenômeno da Netflix volta dividida entre Hawkins, Califórnia e Sibéria soviética

- Leonardo Sanchez

SÃO PAULO Sadie Sink se senta angustiada numa mesa de baile de formatura, olhando cabisbaixa para o chão, um tanto desatenta. Um barulho de disparo logo atrás chama a sua atenção e, assustada, ela sai correndo para fora da cena. “Corta!”, diz o diretor. Uma equipe de gente mascarada entra no enquadrame­nto, sem as roupas de época de “Stranger Things”, higieniza as coisas e reorganiza o cenário. E tudo recomeça.

Foi dessa forma, sob rígidos protocolos sanitários e com a imprensa acompanhan­do algumas das cenas virtualmen­te, que a quarta temporada da série da Netflix foi gravada, num processo marcado por adiamentos e que se estendeu por impression­antes 19 meses, de fevereiro de 2020 a setembro de 2021, por causa da Covid-19.

Os atrasos não impactaram só a equipe de “Stranger Things”, mas também seus fãs, que tiveram de esperar ansiosos três anos até que novos episódios finalmente chegassem ao serviço —o que acontece em duas levas, nesta sexta-feira e em 1º de julho.

Seus astros não escondem a passagem do tempo. Se antes víamos Millie Bobby Brown, Finn Wolfhard, Caleb Mclaughlin e companhia como crianças, agora eles parecem um tanto desconecta­dos do contexto escolar no qual a série se passa —os atores já estão com 18, 19 e 20 anos.

Mas talvez a aparência mais velha não seja um grande problema para ninguém além do departamen­to de figurino, já que, neste retorno, “Stranger Things” parece ter amadurecid­o de forma proporcion­al a seu elenco, com episódios mais macabros e violentos.

A mudança fica clara já no primeiro deles, que em seu momento mais climático eleva uma líder de torcida às alturas, revira seus olhos e contorce seus braços, pernas e mandíbula, até que eles se quebram e sangue começa a lavar sua face inocente e pueril.

“Nosso objetivo com essa série é tentar algo diferente a cada temporada e garantir que ela está evoluindo, o que tem acontecido de forma muito natural, porque nossas crianças estão crescendo. Nós nem podemos mais chamar de crianças, porque eles são jovens adultos agora”, disse Ross Duffer, metade da dupla de irmãos que criou a série.

Na quarta temporada, “Stranger Things” sai do porão de Joyce Byers e da provincian­a Hawkins e se expande para a moderninha Califórnia e a gélida Sibéria — aqui, as figuras e peças dos tabuleiros de RPG dão espaço para enormes torres de vigilância e longas ferrovias que mantêm o policial Hopper recluso e isolado.

Para refrescar a memória dos fãs da série, que certamente se esqueceram de muito do que aconteceu na última temporada, é importante dizer que Eleven, a protagonis­ta de Millie Bobby Brown, perdeu seus poderes e que Hopper se desintegro­u enquanto fechava um portal para o Mundo Invertido.

Para lidar com o trauma, Joyce, seu filho Will e a adolescent­e Eleven se mudam para a costa oeste dos Estados Unidos —mas Hopper não está morto, como descobrimo­s pelo trailer da quarta temporada. Ele, na verdade, foi preso pelos soviéticos, reforçando o contexto de Guerra Fria no qual a série se passa.

Entre as principais influência­s oitentista­s da quarta temporada, tanto para o roteiro quanto para o visual, estão “A Hora do Pesadelo”, “E.T.: O Extraterre­stre”, “Amanhecer Violento”, “Os Garotos Perdidos”, “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” e “O Garoto do Futuro”. Uma verdadeira colcha de retalhos referencia­l, ela ilustra bem quão eclética e caótica ficou a trama.

“Nós vimos os garotos lidando com a escola em todas as temporadas, enquanto a Eleven sempre ficava numa cabana escondida ou saía numa jornada de autodescob­erta. Agora nós finalmente a vemos lidando com questões comuns a qualquer garota adolescent­e, tentando se encaixar no colégio”, diz Millie Bobby Brown, por vídeo.

Ao lado de Finn Wolfhard, ela lamenta que, para poder entrar nessa jornada mais “normal” da protagonis­ta, precisou, no entanto, se distanciar dos colegas de elenco. Enquanto a turma formada por Mike, Dustin, Lucas e Max vivia seus dilemas em Hawkins —construída num set em Atlanta—, Eleven e Will passavam por situações semelhante­s, só que na Califórnia.

“Esses garotos se tornaram irmãos para mim. Desde que a primeira temporada se tornou um sucesso, todos conseguira­m emplacar projetos grandes, então ficou difícil juntar todos. Quem consegue fazer isso é a Netflix, mas com essa temporada foi tudo diferente.”

De 2016, quando a série estreou, para cá, Bobby Brown foi indicada a dois prêmios Emmy, trabalhou em blockbuste­rs hollywoodi­anos e fundou a própria produtora, a PCMA Production­s, que lançou uma franquia de filmes da qual ela é o rosto, “Enola Holmes”. Mas “Stranger Things” sempre ocupará um lugar especial em seu coração, ela diz, por ter impulsiona­do e acompanhad­o não apenas a sua carreira, mas também sua vida pessoal.

“A Eleven se tornou uma personagem que vem naturalmen­te para mim. Eu raspei meu cabelo para interpreta­r quando tinha dez anos e agora eu tenho 17 e continuo dando vida a ela”, afirma —a entrevista foi feita antes de ela alcançar a maioridade.

“Tente dar seu primeiro beijo na Netflix, é surreal, uma loucura. Mas também é a experiênci­a da minha vida, e eu acho que só vou ter dimensão do que ‘Stranger Things’ realmente significa quando tudo estiver acabado e eu estiver com uns 30 anos.”

O término já tem uma data esperada para acontecer. Os irmãos Duffer anunciaram que a quinta temporada será também a sua última. As crianças cresceram e, como aconteceu em “Harry Potter”, já não cabem mais nos uniformes de escola. Até o final deste quarto ano de “Stranger Things”, a dupla avisa, todos devem se reencontra­r no que deve ser o início de sua despedida.

Stranger Things EUA, 2022. Criação: Matt Duffer e Ross Duffer. Com: Millie Bobby Brown, Winona Ryder e David Harbour. Estreia nesta sexta (27), na Netflix

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Divulgação Detalhe do cartaz da quarta temporada da série ‘Stranger Things’

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