Folha de S.Paulo

Dois livros magníficos

- Ruy Castro

A música popular acaba de ganhar dois livros magníficos: “Para Ouvir Sylvia Telles”, biografia da maior cantora da bossa nova pelo músico e pesquisado­r Gabriel Gonzaga, e “Tempo Feliz: A História da Gravadora Forma”, um fabuloso selo fonográfic­o dos anos 60, pelo jornalista Renato Vieira. Sei desses livros desde que eram ainda um sonho de seus autores e, muito depois, orgulhei-me de ser chamado a escrever o texto de quarta capa de ambos.

De 1964 a 1967, a Forma, criada no Rio por Roberto Quartin e Wadi Gebara, produziu 22 LPS que ficariam lendários, entre eles “Coisas”, de Moacir Santos, “Os Afro-sambas”, de Baden e Vinicius, e a trilha do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Ao fim de três anos, Quartin, que era pobre, continuou pobre, e Gebara, que era rico, ficou pobre, mas, por causa deles, a música brasileira saiu riquíssima. A lista de gênios que passaram pelos microfones da Forma não cabe neste espaço. Um a um, Renato Vieira conta como foi possível seduzi-los para, quase de graça, gravarem aqueles discos que o Brasil de então praticamen­te ignorou.

De Sylvia Telles (1934-66), só se pode dizer que, sem ela, Tom Jobim não seria tão grande, João Gilberto talvez cantasse de outra maneira e a bossa nova poderia não ser a que conhecemos. Mas seus discos, hoje todos na Universal, estão há muito fora de catálogo e os jovens não sabem que ela existiu. Gabriel Gonzaga traz Sylvia de volta, com uma profusão de detalhes de fazer inveja a biógrafos mais experiente­s.

O livro de Renato tomou-lhe oito anos de trabalho, envolvendo uma troca de editora em pleno voo e várias crises econômicas, mas saiu por uma editora séria. Já Gabriel colecionou recusas de 22 empresas ao seu projeto, só conseguiu publicá-lo graças a um crowdfundi­ng, e o livro, que pena, é difícil de achar.

Se o Brasil não liga nem para o futuro, por que daria importânci­a ao passado?

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