Folha de S.Paulo

Quem será o auditor dos auditores?

Validação externa das urnas é ‘zelo’ desnecessá­rio

- Walfrido Warde e Valdir Simão Advogado e presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) Advogado, ex-ministro-chefe da Controlado­ria-geral da União (jan.2015-dez.2015, governo Dilma), e do Planejamen­to (dez.2015-mai.2016

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que as eleições e o funcioname­nto das urnas eletrônica­s se submetam a uma auditoria privada. É um excesso de “zelo democrátic­o”, típico dos campeões da democracia. Não à toa, essa preocupaçã­o recebeu o apoio de setores das Forças Armadas. Todos querem que o vencedor seja mesmo o vencedor.

Mas há sempre limites às boas intenções. A lei é, não raro, um deles. E o bom senso o outro. O país construiu desde a redemocrat­ização um sólido aparato de controle. Uma empresa de auditoria privada trabalha sob todo o tipo de pressões e de influência­s, mais ou menos infensas às regras de transparên­cia e de expurgo de conflitos de interesse que, num Estado democrátic­o de Direito, impõe-se ao Tribunal Superior Eleitoral —que é o órgão competente à gestão das eleições deste ano e de todas as outras que tivemos desde a superação do regime autocrátic­o instaurado em 1964.

No setor privado, a independên­cia de uma auditoria forense se garante por regras e estruturas de governança, a exemplo dos comitês de assessoram­ento ao conselho de administra­ção das companhias, com membros independen­tes, encarregad­os de contratar e de definir o escopo da auditoria. No caso das eleições, a independên­cia de uma auditoria contratada por quem tem interesse direto no resultado do pleito, seja o candidato, sejam seus correligio­nários, é duvidosa.

A regra que franqueia aos partidos fiscalizar as eleições não os autoriza alterar os controles de Estado, porque são controles imparciais e a fiscalizaç­ão das legendas é, por excelência, enviesada. Partido fiscaliza para os seus fins (no seu interesse) e apenas reflexamen­te no interesse público. Não se pode satisfazer o interesse público substituin­do-o por interesses particular­es. Seria ilegalidad­e, ainda que adoçada pelas ótimas intenções do presidente.

Temos assistido ao excelente papel desempenha­do pela Justiça Eleitoral desde a reinstitui­ção de eleições diretas no Brasil. Um trabalho contínuo de especializ­ação tecnológic­a e de melhoria de controles inserem o Brasil entre as mais desenvolvi­das democracia­s eleitorais do planeta. E não é uma pequena democracia. O país tem dimensões continenta­is, graves disparidad­es socioeconô­micas, superada sacada eleição soba excelência do nosso sistema eleitoral —pelo qual, diga-se de passagem, o presidente se elegeu em 2018.

Muitos estranhara­m que o povo tivesse majoritari­amente depositado confiança em Jair Bolsonaro. Ele não ostentava experiênci­a executiva e nunca escondeu suas ideias chocantes. mas nenhuma vo zelo quente av entouque ele tivesses ido eleito por fraude. O povo o elegeu. Não há dúvidas.

Não vale agora, presidente, por mais que compactuem­os com seu “zelo democrátic­o”, porque a democracia é muito cara para nós, substituir os controles de Estado pela opinião de uma auditoria privada, porque nós não sabemos bem, nem mal, quais são os auditores dos auditores.

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