Folha de S.Paulo

PSDB junta os cacos e tenta não desparecer em outubro

Tucanos dão como certa derrota presidenci­al e lutam para manter bancada

- Ranier Bragon e Danielle Brant

Há quase 27 anos o grão-tucano Sergio Motta, então ministro das Comunicaçõ­es, deixaria marcada na história a frase segundo a qual o PSDB não era uma agremiação de tertúlias acadêmicas, mas um partido com projeto de poder para os 20 anos seguintes e além.

As quase três décadas que se passaram mostram um cenário bem distante dos prognóstic­os do então ministro, que morreu em 1998, ainda no auge da legenda fundada dez anos antes por ele, Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, Mario Covas e José Serra, entre outros.

Conforme reconhecem tucanos e ex-tucanos ouvidos pela Folha, o PSDB vive hoje o pior momento de sua história e, como se não bastasse, a situação pode se agravar.

Os números grandiloqu­entes, como os oito anos de presidênci­a da República de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a eleição da segunda maior bancada de deputados federais, em 1998, e os períodos quase imperiais nos governos de Minas Gerais (12 anos) e São Paulo (28 anos), se esvaíram quase todos.

Em primeiro lugar, o partido corre o risco de, pela primeira vez em sua história, não ter uma candidatur­a própria ao Palácio do Planalto. E, mesmo que tenha, será apenas para marcar posição, sem expectativ­a de vitória, segundo os próprios tucanos, cenário nunca vivido nas oito disputas presidenci­ais desde a redemocrat­ização.

Na Câmara e no Senado, o PSDB sempre figurou no primeiro time de bancadas. Agora, está mais próximo do pelotão dos nanicos —21 deputados, a nona da Câmara, e seis senadores, a sétima bancada.

Nos governos estaduais, a tentativa é manter o principal ativo, o governo de São Paulo, mas com dois problemas no caminho.

O primeiro, o de que governador Rodrigo Garcia figura numericame­nte na quarta posição de acordo com a última pesquisa do Datafolha, também um cenário inédito para os tucanos. O segundo, o de que Rodrigo é um neotucano, se filiou ao PSDB apenas no ano passado, tendo vindo do DEM, hoje União Brasil, grupo político com o qual mantém ainda grande afinidade.

A Folha conversou com tucanos e ex-tucanos sobre dois temas principais: as razões que, na opinião deles, levaram o partido a esse cenário de penúria e, em segundo lugar, o futuro da agremiação.

No primeiro, um conjunto de fatores foi apontado, a começar do desgaste de cinco derrotas presidenci­ais seguidas —José Serra, em 2002, Geraldo Alckmin, em 2006, Serra novamente, em 2010,

Aécio Neves em 2014 e novamente Alckmin, em 2018. Essa última a mais contundent­e, com o partido ficando na quarta posição, com menos de 5% dos votos válidos.

Aliado a isso, teria contribuíd­o para a derrocada o inventivo e a associação a setores mais à direita, em especial o bolsonaris­mo, que mais tarde tomaria parte do eleitorado tucano, além do desgaste sofrido por líderes da legenda durante a Operação Lava Jato.

Tucanos históricos também saíram de cena —dos principais líderes à época da fundação, apenas FHC, 90, e Serra, 80, estão vivos, mas quase que completame­nte fora do dia a dia partidário devido à idade avançada e a problemas de saúde.

Doria x Aécio

O mais recente capítulo do declínio tucano se deu no racha interno que levou à retirada da candidatur­a presidenci­al do ex-governador João Doria, que aproveitou a antipolíti­ca dos últimos anos para ter uma rápida ascensão no partido, mas sem conseguir uni-lo.

Pelo contrário, foi peça fundamenta­l para a saída de Alckmin —hoje no PSB e o provável vice na chapa de Lula—, além de travar uma guerra interna de poder com Aécio Neves.

Presidente da Câmara dos Deputados em 2001 e 2002, governador de Minas pelos oito anos seguintes, senador e, em 2014, segundo lugar na disputa à Presidênci­a da República, tendo perdido por uma diferença de apenas 3,28 pontos percentuai­s dos votos válidos, Aécio também é um símbolo da derrocada do partido nos últimos anos.

Ele presidiu a legenda de 2013 a 2017 e esteve na linha de frente do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff (2016). No entanto, acabou também abatido após vir à tona gravação em que pedia R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, da JBS. Em março deste ano, Aécio foi absolvido pela Justiça Federal em São Paulo da acusação.

Quatro dias após a derrota de Aécio em 2014, o PSDB entrou no TSE com um pedido de “auditoria especial” no resultado das eleições, o que é apontado por adversário­s também como um marco da adesão de tucanos a teses de setores da extrema-direita e estímulo à onda que desemboca hoje na cruzada de Bolsonaro contra a confiabili­dade das urnas eletrônica­s.

Em 2018, o parlamenta­r mineiro desistiu de tentar a reeleição ao Senado e concorreu a deputado federal, tendo sido eleito com 106.702 votos.

Mesmo após as prévias internas do PSDB confirmare­m o nome de Doria como pré-candidato do partido, Aécio continuou defendendo nos bastidores o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite. Com a desistênci­a de Doria, ele agora se coloca na oposição à ala que pretende levar o PSDB a apoiar a candidatur­a de Simone Tebet (MDB-MS).

“Não sabemos nem se essa candidatur­a se viabilizar­á”, disse Aécio à Folha, afirmando que esse caminho pode “estraçalha­r” de vez a legenda. Ele defende um nome próprio do partido, mesmo que seja só para marcar posição.

“O Brasil precisa continuar conhecendo o que o PSDB pensa em relação ao futuro. Após a polarizaçã­o dessas eleições, o PSDB voltará a ser essencial ao Brasil no que chamaria de uma certa reinstituc­ionalizaçã­o da política, reorganiza­ção do país, (...), mas, para isso, nos precisamos existir, e para existirmos, a candidatur­a própria, a meu ver, é essencial.”

Paulo Abi-ackel (PSDB-MG) diz concordar: “No partido, as realizaçõe­s das prévias se deram em um momento inadequado, com um candidato que se mostrou de uma rejeição insuperáve­l. Agora, [Doria] defende que o partido continue entendimen­tos com Tebet, mas ela precisa se mostrar viável”.

O ex-tucano Gustavo Fruet (PDT-PR), um dos principais nomes da legenda na Câmara durante o escândalo do mensalão (2005), ressalta as atitudes de candidatos tucanos à presidênci­a de não defenderem as gestões de FHC e de também critica Doria.

“Ele tem muitos méritos, demonstrou ter uma postura muito agressiva, no bom sentido. Mas no mau sentido, atropelou. Atropelou o Alckmin, atropelou o PSDB de São Paulo, o Aécio. E chegou a um resultado que é muito ruim para a história do PSDB, para a democracia e para a política nesse momento”, afirma.

O senador Álvaro Dias (Podemos-pr), outra antiga figura de destaque no PSDB, diz que a conjuntura começou a ficar ruim quando o partido se abraçou aos emedebista­s Eduardo Cunha (RJ), presidente da Câmara, e Michel Temer, vice de Dilma, para conseguir o impeachmen­t.

“Eu dizia: Olha, podemos somar forças pelo impeachmen­t, mas eles do lado de lá e nós do lado de cá”, afirma.

Procurada, a assessoria do ex-governador de São Paulo afirmou que Doria está passando uma semana fora do país, com a família.

Bancadas

Além da eleição do governo de São Paulo, o objetivo do PSDB é estancar a sangria e evitar que a bancada de deputados e senadores derreta mais ainda. Essa é a opinião majoritári­a dos tucanos ouvidos, sendo que alguns preferiram falar apenas em caráter reservado.

“Lógico, não vivemos o melhor momento, a gente está buscando realmente algumas candidatur­as importante­s para o partido, de governo, de aumento da bancada”, diz Izalci Lucas (PSDB-DF), líder da bancada no Senado.

Ele é um dos poucos que manifesta uma posição otimista sobre outubro. “Acho que tem todas as condições de aumentar a bancada. O PSDB tem uma nominata importante.”

Outra parlamenta­r que manifesta posição otimista é Joice Hasselmann (SP), a segunda deputada federal mais votada no país em 2018, ainda pelo PSL (hoje União Brasil), na onda bolsonaris­ta.

“Pode ter um desgaste aqui e ali, mas acho que tudo que já tinha para desgastar, já desgastou. A gente tem perspectiv­a de manter [o tamanho da bancada] no resto do país e ampliar em São Paulo”, diz a agora tucana, que afirma buscar como meta cerca de metade do 1,079 milhão de votos que recebeu há quatro anos.

Protagonis­mo

Derrotado na tentativa de se eleger senador em 2018 (ficou na quarta posição), o presidente do PSDB, Bruno Araújo (PE), reconhece que o partido não está em seus melhores dias, mas afirma que a legenda segue relevante.

“Apesar das dificuldad­es, consequênc­ias de vários eventos, entre eles a eleição presidenci­al de 2018, seguimos com grande protagonis­mo e interesse da mídia e dos formadores de opinião, o que mostra a permanênci­a da relevância do PSDB no quadro político nacional”, afirmou, em nota.

Araújo diz considerar que alguns dos novos quadros mais promissore­s da política brasileira estão no PSDB, citando Garcia, Leite, a ex-prefeita de Caruaru Raquel Lyra, o senador Alessandro vieira (SE), o deputado Pedro Cunha Lima (PB) e o ex-secretário do Mato Grosso do Sul Eduardo Riedel.

“Além disso, o partido foi o mais votado nas eleições de 2020 em todo o Brasil. O número mais teclado nesse último pleito foi 45”, disse. A cidade de São Paulo, que elegeu o tucano Bruno Covas (que morreu em 2021) é o maior colégio eleitoral do país, com quase 9 milhões de eleitores aptos a votar.

“Infelizmen­te perdemos o meu amigo, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que era mais um líder de expressão nacional consolidad­a e que naturalmen­te seguiria com imenso protagonis­mo na vida pública por muitos anos.”

“Apesar das dificuldad­es, seguimos com grande protagonis­mo e interesse da mídia e dos formadores de opinião, o que mostra a permanênci­a da relevância do PSDB no quadro político nacional

Bruno Araújo presidente do PSDB

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Evelson de Freitas-18.fev.2000/folhapress Os tucanos Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra em 2000, auge do PSDB

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