Folha de S.Paulo

As pesquisas dizem e não dizem

Natureza de Bolsonaro só pode acirrar sua desintelig­ência golpista diante de Lula

- Janio de Freitas Jornalista

O impacto sísmico do recente Datafolha eleitoral deveuse, além dos números em si, à contradiçã­o neles implícita com quase todas as outras pesquisas das últimas semanas.

A simplicida­de aparente das divergênci­as percentuai­s aumenta, porém, os problemas para o eleitorado orientar-se, para a contenção do golpismo e ainda para o acompanham­ento, pela Justiça Eleitoral, dos procedimen­tos de pesquisa.

Os 56% do eleitorado consciente­s da ação antidemocr­ática de Bolsonaro são um alento. Em proporção aos respectivo­s totais, esse segmento é muito maior do que a parcela dos que se contrapõem de fato, no alto dos Três Poderes, ao golpismo projetado pela Presidênci­a da República sobre o país e, em especial, sobre as Forças Armadas.

O caminho legal afunila-se para a recandidat­ura de Bolsonaro. Suas possibilid­ades de uso eleitoral das verbas e concessões são imensas, mas levariam a efeitos econômicos e políticos condenatór­ios do candidato.

Não há o que apresente como realizaçõe­s de governo no interesse da população. Muito ao contrário, a fome que se alastra, o encarecime­nto do custo de vida, o desemprego, a violência e a inseguranç­a são forças eleitorais que Bolsonaro não pode encarar.

Resta-lhe, na senda legal, a agitação impune.

A crise de direção da Petrobras, por exemplo, não é por aturdiment­o ante a alta dos combustíve­is. É proposital. Para que Bolsonaro urre em acusação a hipotética­s resistênci­as a seu ataque aos preços. Agora é nomeado para a empresa um já indicado lá atrás, no primeiro passo da crise, e barrado por lhe faltar experiênci­a na área, exigida em lei.

Volta ao palco porque é certa a sua rejeição pelo Judiciário, e Bolsonaro terá mais o que urrar. A tapeação, no entanto, dá sinais de esgotament­o, em meio ao crescente estresse público com truques e farsas.

Dado o potencial de Lula até para se eleger já no primeiro turno, como indica o Datafolha, a natureza de Bolsonaro só pode acirrar sua desintelig­ência golpista.

Pelo mesmo motivo, os generais que o veneram estarão a seu lado. Importa saber que presença têm, nesse bloco, os da ativa. E que domínio têm dos seus compartime­ntos, porque a história nega sua presumida carta branca. Equação em que entram os 56% antigolpis­tas constatado­s pelo Datafolha.

Esse e outros números da mesma pesquisa conflitam com o noticiado nas últimas semanas. A proliferaç­ão recente de organizaçõ­es de sondagem eleitoral, atraídas pela dinheirama do Tesouro Nacional dada aos partidos e candidatos, tanto traz competição saudável quanto implica riscos de manipulaçã­o eleitoral. Estamos no Brasil.

Várias pesquisas vinham indicando pequenas e sucessivas quedas de Lula, com Bolsonaro em movimento positivo. A persistênc­ia da queda desoriento­u o PT e o comentaris­mo político na busca de explicação.

Uma das culpas imaginadas foi a soma de espontanei­dade e franqueza dos improvisos de Lula, a ponto de chegarem no PT ao ridículo de fazê-lo discursar de papel na mão, por leitura de texto alheio. A mesma interpreta­ção obtusa das tais quedas sujeitou o PT à orientação, cúmulo inesquecív­el, do Paulinho da Força desejoso de ver Lula falando como alguém do PSDB ou MDB, insincero e bajulador da “elite”.

À falta de Leonel Brizola e Jânio Quadros, grandes improvisad­ores políticos, não pode ser esquecido também o talento oratório que foi, e é, o caminhão do pau-de-arara e a ferramenta do metalúrgic­o Lula para derrotar preconceit­os e as artimanhas de domínio social e político. As falas de Lula não foram a causa das quedas seguidas em várias pesquisas, nem se sabe quais foram.

Certo é que a alegada diferença de métodos nada explica: se há diferentes percepções da realidade pesquisada, há pesquisa certa ou menos errada. E as demais se dividem entre métodos errados, ou mal aplicados, e trapaças.

A repercussã­o do último Datafolha foi fruto da combinação de números e do histórico de seriedade que construiu. Em caso de dúvida, possível e respeitáve­l, sobre o lado certo nas pesquisas divergente­s, o que resta é aguardar as próximas. Atitude que a agitação bolsonaris­ta não terá.

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