Folha de S.Paulo

Verão pós-covid na Europa vê inflação e guerra como entraves

Apesar da ausência de russos, especialis­tas dizem confiar na recuperaçã­o da indústria do turismo no continente

- Michele Oliveira

Ainda antes da guerra, quando o primeiro pacote de sanções contra Moscou foi anunciado como tentativa de dissuasão, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, fez aos russos uma provocação nas redes sociais: “Chega de compras em Milão, festas em Saint-tropez, diamantes na Antuérpia”. Pouco depois, ele apagou o post, considerad­o deselegant­e. No dia seguinte, a Rússia invadiu a Ucrânia.

Passados três meses, o turismo na Europa dá sinais de que a alta temporada do verão no hemisfério Norte, com pico entre julho e agosto, pode ser a mais virtuosa dos últimos dois anos de pandemia —mas a ausência dos russos, como efeito da guerra e de mais quatro pacotes de sanções, será sentida.

A referência de Borrell a cidades de Itália, França e Bélgica dá a dimensão do estereótip­o desses turistas na Europa. Apesar de não estarem entre os mais numerosos, os russos ocupavam a sétima posição entre os que mais gastavam em viagens internacio­nais, com € 32 bilhões em 2019, antes da crise sanitária.

Como consequênc­ia das sanções, o tráfego aéreo entre Rússia e UE foi suspenso pelas duas partes, portos estão fechados para embarcaçõe­s russas, bancos russos foram desconecta­dos do sistema financeiro e restrições a viagem e bens atingem mais de 1.100 pessoas e entidades no país.

O impacto da guerra no turismo europeu afeta com mais força a porção oriental do continente. Há lugares que estão sendo menos procurados por viajantes internacio­nais devido à proximidad­e geográfica com o conflito —como Bulgária, Croácia, Hungria e Polônia— e outros mais dependente­s dos viajantes russos.

Entre esses estão, segundo a Organizaçã­o Mundial do Turismo, Chipre, Montenegro, Letônia, Finlândia, Estônia e Lituânia. Turistas do país de Vladimir Putin representa­vam ao menos 10% do total antes da pandemia nesses lugares, mas no Chipre a taxa chegava a 20%. Em destinos maiores, como Espanha, França e Itália, o percentual não ultrapassa­va os 3%, mas o que conta é a forma como o dinheiro é gasto.

Em 2019, a Itália hospedou quase 1,8 milhão de russos, responsáve­is por 5,8 milhões de diárias —2,6% do total de presença estrangeir­a, dez vezes menos que o maior grupo, os alemães. Em gastos, porém, eles ficam em quarto lugar, atrás apenas de japoneses, chineses e canadenses. Em média, cada russo gastou, em 2018, € 145 (R$ 736, na cotação mais recente) por dia na Itália. Além disso, mais de 40% das estadias desse grupo foram registrada­s em hotéis de luxo, de acordo com o instituto de estatístic­a italiano.

Segundo Michele Costabile, professor da Universida­de Luiss de Roma, o impacto será concentrad­o em pontos específico­s do segmento de luxo, como nas praias de Portofino, Capri e Taormina. “Hotéis, restaurant­es e balneários vão sentir a ausência dos russos. E a Sardenha deve ser a área italiana que vai mais sofrer.”

A ilha no Mediterrân­eo é um dos destinos preferidos dos russos. Ali, no início da guerra, uma mansão do oligarca Alisher Usmanov avaliada em € 17 milhões (R$ 86 milhões), na famosa Costa Esmeralda, foi apreendida como parte das sanções, assim como seu iate. “Como novos-ricos, esse grupo busca status simbólico no turismo. Gosta de ostentar, com coisas como pirâmide de taças de espumante.”

A percepção é parecida na Espanha, diz Juan Gómez, chefe de inteligênc­ia de mercado da Forwardkey­s, especialis­ta em análise de dados de viagens aéreas. “Eles escolhem cidades específica­s e têm hábitos próprios, como não viajar em rotas comerciais, mas com meios privados, como barcos e jatos.”

Desde a Páscoa, Veneza vê o volume de viajantes internacio­nais se aproximar do nível pré-pandêmico, mas a guia Angela Popovici estima que esteja trabalhand­o só 20% daquilo que costumava até 2019. Há seis anos especializ­ada em atender clientes em russo, ela nota a falta daqueles que moram no país.

“Agora que a Rússia está bloqueada para viagens, para chegar à Europa os cidadãos que têm visto válido têm que fazer escala na Turquia ou nos Emirados Árabes Unidos. Como a viagem ficou mais longa e muito mais cara, não são muitos”, conta. “Eles também precisam trazer dinheiro em espécie ou cartões de outros países, devido ao bloqueio aos bancos russos.”

Segundo análise da Forwardkey­s, a ausência dos russos na Europa não significa que eles tenham deixado de viajar por lazer. Mas, desde aguerra, passaram a priorizar destinos em que foram menos “cancelados”, na Ásia e no Oriente Médio, como Sri Lanka, Maldivas, Quirguistã­o, Turquia e Emirados Árabes.

Apesar disso e da ausência dos chineses, que ainda lidam com as restrições da pandemia, especialis­tas preveem que a temporada de verão na Europa vá recuperar boa parte do fôlego perdido nos dois últimos anos. As últimas semanas deram bons sinais e, além da demanda interna (77% dos europeus pretendem viajar entre abril e setembro), há o retorno de turistas das Américas e da Austrália.

“Amu dança-chaveéa estabilida­de nas regras enasr estrições de viagens, que permite aos viajantes fazer planos. No ano passado, nessa época, ainda eram feitas muitas alterações, e as campanhas de vacinação estavam começando”, diz Gómez, da Forwardkey­s.

A expectativ­a, segundo ele, é ad eque o turis mono Mediterrân­eos e aproxime dos níveis pré-pandemia, com algumas rotas superando as cifras de 2019, como o fluxo entre EUA e grécia .“há uma demanda reprimidan­os últimos dois anos, eis sovai superar o impacto negativo da guerra e da inflação .”

 ?? 29.abr.22/afp ?? Turistas aglomerado­s na pirâmide do museu do Louvre, em Paris
29.abr.22/afp Turistas aglomerado­s na pirâmide do museu do Louvre, em Paris

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil