Folha de S.Paulo

A ira dos pobres contra Bolsonaro

Segundo turno depende de Ciro, Simone e de remendo na imagem desumana do presidente

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A pesquisa Datafolha reforçou a ideia de que a estratégia das candidatur­as nas próximas semanas será dominada pela possibilid­ade de fim precoce da eleição para presidente.

Assim, o destino de Ciro Gomes (PDT) e mesmo o de Simone Tebet (MDB) têm relevância. Para haver segundo turno, Lula da Silva (PT) teria de perder quatro pontos, isso se outras candidatur­as não caírem pelo caminho. Consideran­do a margem de erro no limite, teria de perder dois pontos.

É uma disputa “na margem”, de parcela menor de votos, pelas bordas, talvez bordas de sangue. Isto é, mais violência de Jair Bolsonaro. Mas a baixaria desumana pode piorar sua imagem entre pobres e mulheres, indicam pesquisas qualitativ­as. Para ir ao segundo turno, Ciro precisaria tirar 7 pontos de Bolsonaro (isto é, levar 100% dos bolsonaris­tas que podem mudar de voto) e 7 de Lula (64% dos lulistas que talvez mudem de ideia). A fim de contribuir para um segundo turno qualquer, precisaria tirar 4 pontos de Lula. Mas Ciro anda estagnado perto de uns 8%.

No caso de Simone Tebet, a senadora precisaria também de 7 pontos de Bolsonaro e 11 pontos de Lula (100% dos lulistas que ora podem mudar de voto). De resto, o Datafolha indica que a migração geral de votos não favorece os dois de modo relevante.

Como a pré-candidata do MDB poderia ao menos ajudar a embolar o jogo do primeiro turno? Tem pouco tempo antes de ser arquivada ou cristianiz­ada por seu partido ou sabotada pelo PSDB (que não quer dividir dinheiro com Simone e tem muito candidato bolsonaris­ta). Qual seria seu grande evento de explosão políticomi­diática? Atacaria violentame­nte Lula e/ou Bolsonaro? Não parece o jeito dela.

A campanha será curta. Começa em TV e rádio no final de agosto. Difícil que novatos e retardatár­ios cheguem vivos até lá. Para piorar, ainda não têm mensagem nova.

Ciro é conhecido. Simone, apesar da raridade de mulher no topo da política, tende a vir com campanha de cara tucana, derrotada nas últimas cinco eleições. Bolsonaro não tem esquema político para ajudar os dois a sobreviver; a força gravitacio­nal dos líderes deve tirar-lhes votos.

Quais as opções de Bolsonaro? Obter votos nas bordas de sangue, com a demolição de Lula. Mas há empecilhos fora desse ringue.

Pesquisas qualitativ­as encomendad­as por dois partidos indicam que o jeito violento de Bolsonaro pega mal, em especial entre mulheres, pobres e não brancos. Há raiva ou pesar pelo fato de Bolsonaro não ligar para a miséria, para preço de comida e falta de remédios, de se divertir com motos e jet skis, de ser “mal-educado” e “não dar esperança”.

Medidas eleitoreir­as podem ter efeito, mas talvez tardio, nem por isso irrelevant­e: trata-se de obter quatro pontos pelo segundo turno. Até agora, ajudaram Bolsonaro a subir desde o fundo do poço de 2021 e a manter sua votação neste trimestre.

As tentativas de conter na marra preços de eletricida­de e combustíve­is devem ter efeito apenas a partir de julho, e olhe lá, se não caírem em disputas políticas e jurídicas. A baixa de preços é de tamanho e alcance eleitoral incertos. No caso do diesel, a esperteza pode dar em desabastec­imento.

Bolsonaro vai arruinar o resto das universida­des e da pesquisa científica para dar reajuste pequeno a servidores, de pouco impacto eleitoral. No mais, a janela de novos favores com dinheiro público se fecha no mês que vem.

O segundo trimestre pode ainda ter surpresa positiva na economia, embora despiora na miséria. De julho em diante, deve haver frustração.

Resta a campanha de demolição e mentiras, que em parte menor cola, vide o aumento do descrédito na urna eletrônica. Resta a imundície.

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