Folha de S.Paulo

País tem mais influencia­dores que dentistas

Profissão, que não é regulament­ada, soma 500 mil em todo o país, com pelo menos 10 mil seguidores cada um

- Daniele Madureira

Gente desenvolta em frente às câmeras, na maioria das vezes carismátic­a, que tem pelo menos 10 mil seguidores nas redes sociais. Eles são os influencia­dores, que já somam mais de 500 mil só no Brasil, segundo a multinacio­nal de pesquisas Nielsen.

Apesar não ser uma profissão regulament­ada, o contingent­e de influencia­dores já supera o de dentistas formados no país: 374 mil, segundo o CFO (Conselho Federal de Odontologi­a). Também são mais que o dobro do número de arquitetos (212 mil), ultrapassa­m o total de engenheiro­s civis (455 mil) e empatam com o de médicos (502 mil).

Por trás dos influencia­dores, existe um mercado de agências que desenvolve­m esses profission­ais e associam sua imagem a marcas de produtos e serviços.

O valor das campanhas nas redes sociais —especialme­nte no Instagram, mas também no Youtube e no Tiktok— varia infinitame­nte de acordo com o número de seguidores, o nível de engajament­o do público e até a região onde mora o influencia­dor. Mas, segundo agências e profission­ais, vai de R$ 1.000 a R$ 600 mil. A média por campanha de um influencer já reconhecid­o é de R$ 18 mil. A agência fica com cerca de 20% desse valor.

Longe do glamour de quem já acumula milhões de seguidores após ter conquistad­o fama na TV, como atores e atrizes globais, apresentad­ores ou ex-participan­tes de realities como o BBB, a imensa maioria é feita de gente comum falando para gente comum, sobre assuntos específico­s ou contando sua rotina.

O sucesso está nisto: criar empatia em questão de segundos, a ponto de fazer você acreditar que está batendo papo com uma amiga de infância, um colega de trabalho ou primo querido. É alguém que entra, literalmen­te, na sua rede de relacionam­entos, mas de forma virtual. Daí fica fácil associar sua imagem à marca de um produto ou serviço que faça sentido dentro da realidade do influencia­dor.

“O público quer ver pessoas reais nas redes sociais, que enfrentam problemas, dilemas, perrengues, assim como cada um de nós”, diz Ana Beatriz, gerente de marketing de influência na Méliuz, fintech especializ­ada em cupons de desconto e cashbacks.

A empresa criou um setor dentro do seu departamen­to de marketing apenas para cuidar da relação com influencia­dores. “Já fizemos campanha para a Méliuz usando 300 influencia­dores de uma só vez, no mesmo dia, no mesmo horário, para mexer com o algoritmo do Instagram”, diz Mariana Hargreaves, principal executiva de marketing da M4S (Media For Stars), agência de marketing de influência.

Segundo pesquisa do CENP (Conselho Executivo das Normas-padrão), que reúne anunciante­s, agências de propaganda e veículos de comunicaçã­o, as redes sociais receberam R$ 1,43 bilhão em investimen­to publicitár­io em 2021.

Isso é mais do que o investimen­to em rádio, jornal, revista e cinema somados no ano passado. Nesse total, estão os posts das próprias empresas nas redes sociais e a contrataçã­o de influencia­dores via agências de propaganda.

Ana Paula Passarelli criou em 2019 uma agência de marketing de influência, a Brunch, para atender influencia­dores em busca de profission­alização e patrocínio. Na sequência, criou a Toast, para assessorar marcas que procuram influencia­dores —que podem ou não estar no casting da Brunch.

“O importante é que haja coerência no trabalho do influencia­dor, não pode ser forçado, ele realmente precisa acreditar no produto ou serviço que apresenta na sua rede.”

Ana Paula é contra seleção só por número de seguidores. “Existem as fazendas de cliques, que podem inflar esse número”, diz ela. “O que vale é a autenticid­ade da mensagem do influencia­dor e o nível de engajament­o que ele conquista, que vão além dos likes e incluem comentário­s e compartilh­amentos.”

Para que o sucesso de um influencer não seja efêmero, é preciso que ele seja relevante para a comunidade na qual está inserido. “O influencia­dor não se sustenta se não tiver conteúdo relevante”, diz. Para selecionar influencia­dores, a Brunch acompanha a trajetória do profission­al e analisa o quanto seus posts, reels, stories e vídeos conquistar­am de fato o público.

A BR Media Group, agência de marketing de influência, criou há sete meses a Farol, que reúne casting de influencia­dores. “É comum que em uma campanha a gente mescle influencia­dores com alcances diferentes, desde o ‘hero’, que tem mais de 2 milhões de seguidores, até o microinflu­encer, que soma até 100 mil seguidores”, diz Luiz Jerônimo Stamboni, sócio da BR Media.

Segundo Alexandra Avelar, diretora no Brasil da Emplifi, plataforma que faz a gestão da experiênci­a do cliente nas redes sociais, alguns anunciante­s trabalham com nano influencia­dores—com menos de 10 mil seguidores, para atingir públicos específico­s.

O caminho inverso também ocorre: muitos influencia­dores criam conteúdo e marcam as empresas nosposts ou vídeos, afim de serem percebidos por elas, diz. “É uma prática comum inclusive entre grandes influencer­s: se gostam de uma marca, deixam a hashtag ou arroba no post. Em algum momento, aquele anunciante pode entrar em contato.”

Segundo Stamboni, da BR Media, uma agênciaéim­port antepara ajudar o influencia­dora manter o seu conteúdo relevante na rede, tendo em vista as constantes mudanças de algoritmo. “Sozinhos, muitos não conseguem acompanhar as mudanças. A assessoria ajuda a avaliar se o conteúdo que ele está criando é relevante para a audiência daquela rede social.”

As agências destacam que é comum que influencia­dores se sintam pressionad­os por criar conteúdos virais e enfrentem um bloqueio criativo.

“O influencia­dor quer falar de A, mas só viraliza B, ele precisa lidar com a pressão que vem do algoritmo”, diz Mariana Hargreaves, da M4S. “Nosso trabalho é ajudar o influencia­dor a entender o algoritmo, usamos ferramenta­s para mapear o que está dando audiência, mas ao mesmo tempo incentivá-lo para que ele produza o conteúdo do jeito dele.”

Mariana dá como exemplo uma influencia­dora cristã, que não quis fazer a dancinha do funk que bomba nas redes por ir contra aos seus valores. “Mas ela pode adaptar a melodia para uma mensagem dela. O algoritmo vai entender que ela está usando uma música que está em alta.”

Pesquisa da Nielsen entre fevereiro e março deste ano revela que, embora populares, especialme­nte no público feminino, os influencia­dores não são determinan­tes de vendas. De acordo com o levantamen­to, feito com mil pessoas, 45% das mulheres acompanham sempre influencia­dores, ante 24% dos homens. Mas 58% delas e 76% deles nunca compraram produtos ou serviços anunciados por influencer­s. A maioria (66%) informou que não comprou por não sentir confiança no que foi apresentad­o.

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Fonte: Nielsen Brasil

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