Folha de S.Paulo

Pneus evoluem para gastar menos energia e perdem até o ar

Sistema que tapa furo automatica­mente e pneu que não precisa ser enchido estão entre projetos das fabricante­s

- Eduardo Sodré

são paulo O que hoje é chamado de pneu surgiu como um aro sólido de borracha. Graças ao processo de vulcanizaç­ão, criado há 183 anos por Charles Goodyear (18001860), essas tiras revestiam rodas de madeira ou ferro e rodavam desconfort­avelmente em bicicletas e carruagens.

O ar só entrou na história em 1888, quando John Boyd Dunlop (1850-1921) instalou uma câmara para enchimento e revolucion­ou a estrutura do componente. Mas a roda gira, e tudo pode mudar novamente.

A evolução dos carros tem feito as fabricante­s investirem em soluções que aumentem a segurança e reduzam o consumo de combustíve­l.

Enquanto um automóvel elétrico pode ganhar preciosos quilômetro­s de autonomia com o uso de novos compostos nos pneus, evitar a perda repentina de pressão é fundamenta­l para que um veículo autônomo não se envolva em acidentes. O ar pode, portanto, sair de cena. Ou não.

Para a Michelin, o futuro combina pneu e roda em um só conjunto. O Uptis (sigla em inglês para sistema exclusivo de pneus à prova de furos) é anunciado como revolucion­ário, já que elimina a necessidad­e de ser enchido para pleno funcioname­nto.

Embora tenha sido apresentad­a pela primeira vez em 2005 (com o nome Tweel) e aplicada comercialm­ente em maquinário pesado, a tecnologia só agora está pronta para chegar aos carros de passeio, o que deve ocorrer em 2024.

Éric Vinesse, vice-presidente-executivo de pesquisa e desenvolvi­mento na Michelin, explica que o desenvolvi­mento do Uptis é feito em colaboraçã­o com a General Motors. “Essa parceria fortalece ainda mais nosso propósito de inovar, relacionad­o ao conceito Vision”, afirma o executivo.

O conceito mencionado por Vinesse inclui a produção de pneus biodegradá­veis por impressora­s 3D, que facilitari­am o descarte e a reciclagem. Essa ideia pertence a um futuro mais distante, enquanto o Uptis faz parte do presente. Sua primeira aplicação deverá ser no elétrico Chevrolet Bolt, que tem sido usado nos testes.

Sim, é estranho. Visto de perfil, o pneu sem ar da Michelin tem pequenos raios que se deformam com o carro em movimento, e parece

“Daqui a pouco teremos os carros autônomos, e a partir daí o pneu tem que enxergar um pouco pelo motorista

Roberto Falkenstei­n diretor de pesquisa e desenvolvi­mento da Pirelli

que o flanco —ou parede lateral— se desprendeu.

Por formar um conjunto único com a roda, o Uptis dependerá de parcerias com mais montadoras para se tornar viável. É possível supor que o custo de reposição será alto, mas a Michelin ainda não dá detalhes sobre isso.

Outras marcas testaram a solução proposta pela fabricante francesa, mas avançaram por outros caminhos. A italiana Pirelli, por exemplo, optou pelo pneu que pode tapar um furo automatica­mente.

Trata-se de um material semelhante a uma geleia. “Quando um prego penetra na borracha, por exemplo, o buraco é vedado ao redor”, explica Roberto Falkenstei­n, diretor de pesquisa e desenvolvi­mento da Pirelli.

A tecnologia batizada de Seal Inside consiste em uma camada seladora que é vulcanizad­a com o pneu. As vendas começaram no fim de 2021, com preços menores que as opções “run flat” —que, por terem uma carcaça mais rígida, podem rodar mesmo após serem danificado­s.

Os primeiros modelos Seal Inside são voltados para utilitário­s esportivos de apelo urbano. Na medida 215/55 R17 (usada, por exemplo, no Honda HR-V), o preço é de aproximada­mente R$ 850 por unidade no mercado de reposição. É basicament­e a metade do valor cobrado por um “run flat” de dimensões similares.

A Pirelli realiza ainda testes com a tecnologia 5G. Por meio de sensores, os pneus monitoram a trajetória e enviam dados em tempo real.

“Daqui a pouco teremos os carros autônomos, e a partir daí o pneu tem que enxergar um pouco pelo motorista”, diz Falkenstei­n. “Ao passar em uma poça, o carro vai alertar os demais usuários e ajudar a controlar o tráfego. Funciona também em uma estrada congelada na Europa ou diante dos buracos no Brasil.”

Todas essas inovações precisam ser acompanhad­as de redução no consumo de combustíve­l ou de eletricida­de. Daí vêm os pneus verdes, que aumentam a autonomia por serem menos resistente­s à rolagem. Mas isso não significa que tenham menor aderência.

“Os pneus deixam de perder energias internas, mas sem interferir muito no contato com o solo. Se compararmo­s um produto de hoje com o de dez anos atrás, a redução de consumo chega a algo entre 6%e 8%”, diz Falkenstei­n.

A necessidad­e de redução de peso fez a BMW não usar um conjunto “run flat” no utilitário elétrico ix, diferentem­ente do que ocorre nos modelos equipados com motor a combustão.

“Fazemos uma ginástica para aliviar ope sonos modelos elétricos, já que a gasolinade­spende cem vezes mais energia que o kilowatt”, explica Emilio Paganoni, responsáve­l pela área de treinament­o da BMW no Brasil. O ix usa um pneu específico para diminuir o arrasto, traz até um símbolo que mostra que foi desenvolvi­do para o uso em carros elétricos.”

Além de poupar energia, é preciso reduzir o nível de ruídos. “Antes tinha-se tanto barulho no carro que o pneu era só mais um, mas agora, com o silêncio dos veículos elétricos, tornouse um ponto crítico”, diz Roberto Falkenstei­n.

Apesar de tantas novidades, a tecnologia que envolve a produção de pneus não avança tão rápido como ocorre com outros equipament­os que vã onos carros. Essaéa opinião de Rubens Carvalho, distribuid­or da Dunlop e parceiro da VC One, empresa focada em soluções de mobilidade.

“Temos materiais com mais resistênci­a, mas, na essência, o pneu não mudou desde que foi inventado. Acredito que ainda terá longevidad­e nesse padrão atual, até que surja, de fato, uma tecnologia que possa surpreende­r e inovar”, afirma Carvalho. “Mas não vai deixar de ser redondo ou de ter um material macio, seja borracha ou um composto sintético.”

O uso de garrafas PET recicladas está entre as alternativ­as para uma composição menos agressiva ao meio ambiente. A Continenta­l apresentou essa solução em abril.

Segundo a marca, o material substitui o poliéster na composição da carcaça. Um conjunto de pneus de um carro de passeio utilizaria cerca de 40 garrafas reaproveit­adas. Até 2050, a empresa pretende empregar apenas compostos sustentáve­is na confecção de seus produtos.

Com a agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) norteando investimen­tos, as empresas estão mais preocupada­s com o impacto dos pneus no ambiente.

No Brasil, a Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumático­s) estima que mais de 100 milhões de carcaças inservívei­s tiveram destinação correta por meio da Reciclanip, que faz o gerenciame­nto da logística reversa.

Mas a pretensão das empresas é produzir itens que durem mais e permitam ciclos mais extensos de vida. A Michelin afirma que a tecnologia Uptis evitará que 200 milhões de pneus sejam descartado­s por ano mundo afora, enquanto a Pirelli diz que a tecnologia Seal Inside reduz a necessidad­e de descarte por furos. Há um espaço em aberto para a evolução, e só mesmo o formato dos pneus é que não deve mudar.

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Divulgação O elétrico Chevrolet Bolt passa por teste com pneu sem ar da Michelin
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Divulgação Pirelli mostra pneu com tecnologia Seal Inside, que passa por pregos e segue rodando
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Divulgação Pneu Uptis, da Michelin, é construído com a roda

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