Folha de S.Paulo

Ajuste fiscal causa cresciment­o ou o inverso?

Dados mostram que arrumação fiscal precede ciclos de cresciment­o

- Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP Samuel Pessôa

Ajuste fiscal precede um ciclo de cresciment­o ou o inverso? Os economista­s ortodoxos pensam que uma situação fiscal estrutural­mente solvente é precondiçã­o para um ciclo de cresciment­o. Os economista­s keynesiano­s consideram que o ajuste fiscal é causado pela elevação da taxa de cresciment­o.

A figura ao lado, obtida no site da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), apresenta a evolução do superávit primário do governo central. Superávit primário é o saldo entre as receitas e as despesas não financeira­s.

O ciclo de cresciment­o nos anos 2000 foi precedido por um longo e difícil ajuste fiscal. Mais recentemen­te tem ocorrido melhora fiscal, desde 2016, sem que a economia tenha retomado o cresciment­o.

Esses dois fatos são percebidos olhando as “bolinhas” no gráfico, isto é, o superávit primário do governo central. Há no gráfico barras de três cores diferentes: rosa, azul e cinza.

A barra rosa representa o saldo entre as receitas e as despesas não recorrente­s, como as receitas de privatizaç­ão e de leilão de poços de petróleo. Por exemplo, a barra rosa fortemente negativa em 2020 refere-se ao auxílio emergencia­l, exemplo de despesa não recorrente.

A barra azul representa o saldo entre a receita e a despesa que ocorre segundo o ciclo econômico. Por exemplo, na baixa do ciclo, o gasto com seguro-desemprego cresce, e a receita se reduz. Trata-se da componente cíclica do superávit primário.

A barra cinza é obtida por resíduo. A diferença entre o primário observado e as componente­s não recorrente e cíclica é a componente estrutural. O superávit estrutural é aquele que ocorre em condições normais de funcioname­nto da economia. É o conceito relevante para avaliar a solvência do Tesouro.

O primário estrutural atinge um máximo de 2,2% do PIB em 2003, cai para -0,4% em 2010 e para -2,4% em 2014. A queda do primário estrutural precede em muito nossa grande crise econômica de 2014 até 2016.

A piora fiscal não foi bem observada em tempo real pois ela foi mascarada pela componente cíclica, consequênc­ia, entre outros motivos, dos ganhos de termos de troca. E, a partir de 2010, por uma elevação da componente não recorrente.

A experiênci­a dos últimos 25 anos indica com clareza que a visão ortodoxa se ajusta melhor aos dados. A arrumação fiscal precede ciclos de cresciment­o, bem como nossa grande crise foi precedida de piora fiscal.

Em particular, a forte piora em 2014 não foi consequênc­ia da virada no ciclo das commoditie­s. Esta bateu nas contas públicas em 2015. A piora em 2014 foi essencialm­ente da componente estrutural.

Adicionalm­ente, os dados da IFI sugerem que a política fiscal do segundo mandato de Lula já era não sustentáve­l. O fato de a política fiscal do governo mais popular de nossa história ter sido não sustentáve­l é sinal de que nossa democracia tem tido dificuldad­es de sustentar ciclos longos de cresciment­o.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil