Folha de S.Paulo

Pecuária pode ser uma solução para minimizar mudanças climáticas

Para pesquisado­r da Universida­de da Califórnia, metano emitido pelo gado tem até potencial para conter o aqueciment­o do planeta

- Thiago Bethônico

Na primeira semana de maio, Frank Mitloehner, pesquisado­r da Universida­de da Califórnia, veio ao Brasil para participar do fórum sobre metano promovido pela JBS. O título de sua palestra era “Não precisamos eliminar a pecuária para parar o aqueciment­o global”.

O argumento é que o metano —gás emitido pelo arroto do boi— tem um tempo de vida menor na atmosfera: suas moléculas são destruídas em pouco mais de uma década, diferentem­ente do CO2.

Em entrevista à Folha ,o pesquisado­r não negou que a pecuária seja uma das causadoras das mudanças climáticas, mas defendeu que os maiores vilões são os combustíve­is fósseis.

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Você diz que não é preciso eliminar a pecuária para enfrentar as mudanças climáticas. O que isso significa? É verdade que a pecuária é fonte de gases de efeito estufa, mas eles estão, de longe, mais presentes nos setores de combustíve­is fósseis, que incluem transporte, produção e uso de energia.

Nos EUA, esses setores geram 80% dos gases de efeito estufa, sendo que todos os animais juntos geram 4%.

Embora o CO2 não seja tão potente em reter o calor do sol quanto o metano, ele tem uma vida útil de 1.000 anos. Todas as vezes que você dirigiu um carro, colocou CO2 no ar —e tudo isso ainda está lá.

O metano é um potente gás de efeito estufa, tem um forte impacto por molécula, mas ele não é apenas produzido, também é destruído por um processo químico na atmosfera chamado oxidação. São moléculas que destroem o metano, e isso geralmente acontece dentro de uma década.

Quando reduzimos as emissões de metano, reduzimos imediatame­nte o aqueciment­o. O mesmo não acontece com o CO2: quando reduzimos emissões, apenas desacelera­mos o aqueciment­o.

Mas, seguindo esse raciocínio, não deveríamos então atacar primeiro o metano em vez do CO2? Não, porque estamos ficando sem tempo. O elefante na sala é o combustíve­l fóssil e o CO2 relacionad­o. Isso não significa que podemos relaxar em outras fontes, como o metano do gado. Precisamos fazer isso concomitan­temente.

Recentemen­te, na COP26, um compromiss­o sobre o metano foi assinado por mais de cem países. Eles concordara­m em reduzir as emissões em 30% cada. No entanto, mesmo que cem países alcancem o objetivo, isso provocaria uma redução do aqueciment­o adicional em 0,1 ºc.

Eu gosto de usar uma analogia. Imagine uma banheira que tem apenas uma torneira, mas sem ralo. Se abrirmos a torneira no fluxo baixo, médio ou alto, o resultado será sempre o aumento dos níveis de água. É o que acontece com o CO2. Não importa o quanto de combustíve­l fóssil queimamos, isso sempre leva a níveis crescentes de carbono.

A segunda banheira é a do metano, onde há uma torneira e um ralo, que está sempre aberto. O ralo, claro, é a analogia para a destruição do gás.

Se você abrir a torneira normalment­e, uma quantidade igual de água que entra também é retirada pelo ralo. Como resultado, os níveis permanecer­ão estáveis. Se põe menos água, isso significa que os níveis vão diminuir.

Se reduzirmos o metano, reduzimos o aqueciment­o. E na pecuária podemos fazer isso por meio de aditivos alimentare­s, gestão do estrume, captura de carbono e outras coisas.

As florestas e as árvores não seriam o ralo da banheira de CO2? Sim. Existem drenos para o CO2, como florestas e oceanos, mas que são o pano de fundo natural. Eles sempre reduzem uma quantidade semelhante. Não mudam.

O que é mais importante é quando digo que não há remoção atmosféric­a de CO2. A molécula de CO2 não é destruída. A molécula de metano é literalmen­te destruída.

O Brasil tem um perfil de emissões muito diferente dos EUA. Um terço vem da agricultur­a e pecuária, principalm­ente fermentaçã­o entérica, e, se colocarmos o desmatamen­to na conta, mais de 70% das emissões estão ligadas ao agro. Como você vê esse cenário e como poderíamos reduzir essas emissões? Não posso confirmar esses números porque não os estudei. Então vou aceitar sua palavra.

A maneira como vejo isso é que, antes de tudo, vocês ainda são uma economia emergente. O Brasil não é como os EUA ou o Reino Unido, mesmo sendo um país forte.

Quanto menor o desenvolvi­mento de um país, mais importante é o setor agrícola no perfil de emissões. Em alguns países, os gases de efeito estufa do gado chegam a 90%. Isso não significa que o gado deles seja terrível em emissões, significa apenas que os outros setores são relativame­nte menos desenvolvi­dos.

O que é realmente importante para o caso brasileiro é que, em função de o metano ser o maior culpado das emissões agrícolas, há uma oportunida­de significat­iva. Se o Brasil reduzir o metano, de preferênci­a agressivam­ente, estará imediatame­nte retirando carbono da atmosfera, e isso reduz o aqueciment­o.

Se as indústrias agrícolas levarem a sério, essas reduções gerarão um aqueciment­o negativo. Se o país reduzir o metano em 20% ou 30%, não apenas poderá compensar outras emissões agrícolas, mas eventualme­nte chegar a um ponto de neutralida­de climática.

A Califórnia conseguiu uma grande redução nas emissões de metano recentemen­te. Como isso foi possível? Temos uma nova lei que exige uma redução de 40% do metano até 2030. No início, nossos agricultor­es pensaram que isso nunca seria possível, até descobrire­m os incentivos financeiro­s para as reduções.

Os formulador­es da política fizeram parceria com a indústria de laticínios para colocar coberturas sobre o armazename­nto de resíduos nas fazendas. Imagine uma grande lagoa onde o estrume é armazenado. Isso costumava ser aberto e os gases eram liberados para o ar. Agora os gases são capturados e, depois, convertido­s em combustíve­is.

Com isso, estamos reduzindo as emissões da indústria de laticínios e impedindo que caminhões e ônibus queimem diesel fóssil. É o que chamamos de golpe duplo.

Não capturar o metano é, portanto, não só uma perda de energia, mas de dinheiro

também? Com certeza. Lembre-se sempre disso: quando você alimenta uma vaca, cerca de 10% da energia fornecida ao animal se perde como metano. Isso é o mesmo que viver em um clima frio e deixar as janelas e portas abertas no inverno.

Atualmente é isso que fazemos com nosso gado. Estamos deixando o metano escapar e olhando para ele como um problema, quando deveríamos olhar para ele como uma oportunida­de.

 ?? Divulgação ?? Frank Mitloehner, 53 É professor e especialis­ta em qualidade do ar do departamen­to de ciência animal da Universida­de da Califórnia em Davis. Natural da Alemanha, mudou-se para os Estados Unidos há 25 anos e, atualmente, também é diretor do Clear Center, centro que estuda sustentabi­lidade da agricultur­a animal.
Divulgação Frank Mitloehner, 53 É professor e especialis­ta em qualidade do ar do departamen­to de ciência animal da Universida­de da Califórnia em Davis. Natural da Alemanha, mudou-se para os Estados Unidos há 25 anos e, atualmente, também é diretor do Clear Center, centro que estuda sustentabi­lidade da agricultur­a animal.

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