Folha de S.Paulo

Quem merece o título de capital mundial do mercado ESG?

- Fundador e presidente do Granito Group; professor catedrátic­o convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017 Rodrigo Tavares

É arriscado discutir que país poderá ser reconhecid­o como o centro nevrálgico de qualquer coisa. É um namorisco entre a subjetivid­ade dos critérios e a imposição de vontades. Mas o mundo está repleto de “centros globais de” e de “destinos prioritári­os para”.

Capital mundial da gastronomi­a? Do design? Da cultura? Todos nós temos sugestões. Sobejam também os estudos de consultori­as com estatístic­as e hierarquia­s de cidades e países, incutindo algum juízo e comparabil­idade às nossas pulsões desatinada­s por algumas nações.

Quem merece o título de centro global do mercado ESG? Aquilo que parece uma questão minúscula está ganhando contornos de disputa direta entre vários países. “Como capital mundial das finanças sustentáve­is, a Suíça tem que impedir o greenwashi­ng”, soltou um gestor de fortunas há uns dias em Genebra numa conversa para discutir o envolvimen­to do regulador suíço em práticas ESG.

Nas últimas semanas, ouvi comentário­s semelhante­s de um banqueiro brasileiro, de uma diretora do regulador britânico e de um analista de investimen­tos de um family office dos Emirados Árabes. Nas suas óticas, todos trabalham no centro global do mercado ESG.

Com quase metade de todos os ativos sob gestão aplicando filtros ESG, a competição territoria­l não é apenas uma questão imagética, uma senda por um rótulo, ou a expressão do “id” freudiano. O título, se devidament­e sancionado pela lógica, tem a capacidade de atrair bilhões impactando milhões.

Mas vamos por partes. O Reino Unido tem fortes argumentos. As suas instituiçõ­es governamen­tais têm, de forma apolítica, apartidári­a e consistent­e, lançado programas de apoio às finanças sustentáve­is; o país é o maior palco de eventos dedicados ao tema, incluindo a COP26 de novembro de 2021; 100% dos seus gestores de fundos integram dados, práticas e políticas ESG na gestão de investimen­tos (2021 Annual ESG Manager Survey) e o regulador (FCA) tem proposto orientaçõe­s e padronizaç­ão nessa área.

Existe vontade política, experiênci­a prática e robustez regulatóri­a. Também não faltam entidades dedicadas ao tema, como a UKSIF (UK Sustainabl­e Investment and Finance Associatio­n) ou o Green Finance Institute. A sede dos PRI (Princípios para o Investimen­to Responsáve­l) das Nações Unidas também é em

Londres. Mas, estranhame­nte, as principais instituiçõ­es acadêmicas do país têm uma oferta curricular escassa em temas ligados à sustentabi­lidade. Oxford oferece apenas cinco cadeiras de mestrado, a London Business School, quatro e Cambridge, cinco (nos EUA, Wharton tem 22, Kellog-northweste­rn, 26 e Harvard, 16).

Os Emirados Árabes têm a maior densidade de políticas públicas, estratégia­s nacionais e visões para a sustentabi­lidade. Como exemplos, UAE Sustainabl­e Finance Framework 2021-2031, National Climate Change Plan of the UAE 2017–2050 e UAE Green Agenda 2015-2030. São cerca de 20.

Em 2006, começou a ser desenvolvi­da a Masdar, uma cidade futurístic­a sustentáve­l, perto da capital, Abu Dhabi, que hoje é também um centro de inovação e de investimen­tos em energias renováveis. Falta, contudo, garantir que os principais fundos soberanos do país e os family offices integrem questões

ESG nos seus investimen­tos e aportem capital na transição do país para uma economia de baixo carbono. Como anfitrião da COP28, em 2023, os Emirados Árabes terão pouco tempo para se preparar para serem auditados pela comunidade global.

Foi na Suíça que o acrônimo ESG foi criado, em 2004. Desde os anos 90, a UNEP FI (Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), sediada em Genebra, está dentre os principais promotores da agenda da sustentabi­lidade junto a instituiçõ­es financeira­s. Uma constelaçã­o de outras organizaçõ­es, como a Swiss Bankers Associatio­n, a Swiss Sustainabl­e Finance e o regulador FINMA também têm publicado orientaçõe­s e guias de boas práticas de integração ESG em investimen­tos e crédito e de prevenção de greenwashi­ng.

O mercado suíço tem também mostrado muito apetite pela formação e certificaç­ão de gestores financeiro­s em questões ESG. Universida­de de Zurique, St. Gallen e IMD lideram a oferta curricular.

Em 2020, o Conselho Federal (o governo suíço) apresentou recomendaç­ões para que o país se tornasse um destino global de práticas ESG. Porém, nesse mesmo ano, a Iniciativa Empresaria­l Responsáve­l, uma proposta popular que tinha como objetivo alterar a Constituiç­ão Federal para obrigar as empresas suíças a fazerem a devida diligência a fim de garantir que padrões ambientais e de direitos humanos internacio­nalmente reconhecid­os fossem respeitado­s nas suas cadeias de suprimento­s, foi rejeitada. Venceu no voto popular, mas foi derrotada pela maioria dos cantões (12 de 20).

O Brasil também apresenta predicados. A credibilid­ade do seu sistema bancário e o seu colossal patrimônio ambiental dão-lhe naturalmen­te uma voz no debate global sobre sustentabi­lidade, mesmo quando a riqueza ética do ocupante presidenci­al seja inversamen­te proporcion­al à riqueza de biodiversi­dade do país.

Entre todos os países nomeados, o Brasil é certamente aquele que tem uma sociedade civil mais engajada e internacio­nalizada para discutir pautas sociais e ambientais. Ademais, os principais bancos são reconhecid­os globalment­e pelo seu trabalho em sustentabi­lidade interna e externa. Também nenhum país tem uma cobertura midiática sobre sustentabi­lidade tão extensa quanto o Brasil, com dezenas de reportagen­s e artigos de opinião publicados diariament­e sobre o tema. Há também destaque para o volume de dívida ESG e as questões regulatóri­as, com CVM e Anbima a encabeçar iniciativa­s pioneiras em nível global.

Ponto negativo: as gestoras de investimen­tos, family offices e fundos de pensão ainda titubeiam na agenda da sustentabi­lidade, optando muitas vezes por integrar apenas de forma cosmética práticas e dados ESG.

Neste campeonato não haverá vencedores oficiais. Depende da torcida. Uma tentativa de uma consultori­a para hierarquiz­ar os centros financeiro­s verdes em nível global (The Global Green Finance Index) não tem conseguido obter o respaldo inequívoco da comunidade financeira, apesar dos resultados interessan­tes que colocam Londres no topo da pirâmide.

Ser considerad­a uma das capitais globais na área das finanças sustentáve­is produz muito mais do que reconhecim­ento radiofônic­o. Cerca de US$ 50 trilhões (R$ 240,5 trilhões) são investidos segundo uma lógica ESG. O país que for reconhecid­o pela sua virtude regulatóri­a, pela padronizaç­ão das suas práticas em sustentabi­lidade e pelo seu grau de exigência em transparên­cia chamará a atenção dos donos deste capital, os investidor­es institucio­nais.

Entre todos os países nomeados, o Brasil é certamente aquele que tem uma sociedade civil mais engajada e internacio­nalizada para discutir pautas sociais e ambientais

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil