Pensamento cheddar duplo prensado
Meu erro foi dar like na foto de uma picanha
Todo mundo sabe que os algoritmos das redes antissociais são ferramentas de radicalização. Quanto mais absurdo e violento o post, mais Ibope dá, de modo que a estratégia dos cretinos carcereiros destas prisões nas quais escolhemos viver estão sempre tentando nos levar mais pra perto do estrondo. Busque algo sobre “social democracia” e em alguns dias estará recebendo comentários elogiosos sobre os gulags. Digite “meritocracia” e num átimo estará lendo loas ao Pinochet. Meu erro foi dar like na foto de uma picanha: em muito pouco tempo minhas timelines viraram um rodízio de gororobas que só posso chamar de gastrobolsonarismo.
No início, confesso que aprovei o que os algoritmos me serviam. Gosto de cozinhar. Sou um churrasqueiro, modéstia à parte, bastante competente. Ver, entre fotos de gatos e da falsa felicidade alheia, um belo bife de chorizo na brasa, um galeto no espeto, animava a minha tarde. O algoritmo sabia disso. De pequenas postas fomos para costelas inteiras, de costelas inteiras para duas mil costelas assadas simultaneamente, em alguma cidade do interior paulista. Comecei a sentir que a coisa tinha ido longe demais quando apareceu no meu Insta a pizza de linguiça.
A linguiça era não a cobertura, mas a massa. O cozinheiro desfez uma meia dúzia de calabresas, amassou a carne de porco moída e abriu. Sobre o gigante hambúrguer suíno —me recuso a continuar chamando de “massa”— o herege espalhou molho de tomate e queijo. Botou o monstrengo na grelha e já é.
Veja, eu sou carnívoro, sou até um pouco glutão. Mente aberta, vou do hambúrguer com batata frita às ovas de tainha, sem condenar o creamcheese no sushi. Acontece que tenho alguns princípios —não muitos— que entram em conflito com as trasheiras que, de umas semanas pra cá, os algoritmos postam à minha mesa.
X-saladas com 6 hambúrgueres. Batata frita coberta com quatro queijos e chile com carne. Picanha coberta com provolone derretido. Quando chegamos na porcopizza (um leitão aberto era a “massa”), achei que não tinha mais pra onde ir. Ledo engano. O fundo do poço seria “O dogão de Curitiba”.
O vídeo é confuso e nem todos os ingredientes são nomeados —até porque boa parte deve ser proibida, senão pela OMS, pela convenção de Genebra. Em nome do avanço da civilização e da preservação de nossas artérias, contudo, tentarei dar uma ideia do que vai neste sanduíche (sic, sick) de 1,7 kg.
O chapeiro começa fazendo uma mistureba com calabresa fatiada, milho, batata palha, queijo ralado, bacon, molho de tomate e cheddar de bisnaga. Depois, abre um pão de cachorro-quente, pavimenta com maionese, molho rosé e ketchup. Coloca duas salsichas, estrogonofe de frango, Catupiry e a gororoba previamente misturada — uma pirâmide de uns dez centímetros de altura por dez de diâmetro. Joga por cima farofa, masseia com purê de batata, decora com mais rodelas de calabresa, espreme mais cheddar e queijo muçarela ralado, aí gratina com um maçarico.
O dogão de Curitiba foi meu terraplanismo gastronômico, a mamadeira de piroca culinária oferecida pelo chef Zuckerberg e seus comparsas, segundo meus inputs. Se eu tivesse dado like não numa picanha, mas em “luta identitária”, estaria recebendo um cardápio com fuzis, grupos neonazistas e Ku Klux Klan. Não sei o que tem que fazer, nem como, mas precisamos encontrar uma forma de parar de nos alimentar de ideias tipo o dogão de Curitiba, ou seguiremos com esses debates obesos e desnutridos.
| dom. Antonio Prata | seg. Marcia Castro, Maria Homem | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Filho