Folha de S.Paulo

O protagonis­ta

Brasileiro coadjuvou Benzema à espera do momento de ser o ator principal

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

A transmissã­o da Uefa levou a imagem imediatame­nte a Zinédine Zidane, nas tribunas do Stade de France, logo após o gol da vitória do Real Madrid, marcado por Vinicius Junior. O craque francês, autor de dois gols em final de Copa do Mundo no estádio sagrado de seu país, nunca apostou em Vinicius. Carlo Ancelotti, sim.

O italiano não é um maníaco pelo ataque, mas também nunca foi um retranquei­ro, acusação comum aos técnicos italianos. Chegou, observou, conversou e escalou Vinicius Junior.

O resultado foi um jogador capaz de marcar 22 gols na temporada, apenas menos do que os 44 de Benzema. Vice-artilheiro do Real, líder de assistênci­as da Liga dos Campeões, autor do gol do título.

Vinicius é parte da grande reconstruç­ão do Real Madrid, o campeão dos renascimen­tos. Estava eliminado pelo Paris Saint-germain, nas oitavas de final, aos 31 do segundo tempo. Virou e sobreviveu. Estava eliminado pelo Chelsea, aos 30 da segunda etapa.

Renasceu com gol de Rodrygo e passe de Vinicius para Benzema marcar. Contra o Manchester City, outra ressurreiç­ão, dois gols de Rodrygo. O time estava eliminado já nos acréscimos.

A primeira final da história em que a nacionalid­ade mais escalada era a brasileira, cinco nascidos no Brasil, contra três franceses, dois espanhóis e dois ingleses, a 22ª decisão de Liga dos Campeões do século, período em que houve brasileiro­s em todas as decisões – nenhum outro país teve isso–, teve um jovem craque nascido em São Gonçalo (RJ) como protagonis­ta.

Poderia ter sido Benzema se o árbitro francês Clement Turpin tivesse validado o gol de Benzema. A mais brasileira final da história da Champions foi também aquela com atraso de 36 minutos por invasão do estádio por torcedores sem ingresso e em que o VAR demorou muito para invalidar um gol por interpreta­ção –o recuo foi de Fabinho e foi gol. Lembremo-nos: foi em Paris. O Liverpool jogou melhor do que o Real Madrid. Finalizou 21 vezes, nove na meta de Courtois, um dos destaques do jogo junto com Valverde e Vinicius Junior. Desarmou no campo de ataque sete vezes, 41% das recuperaçõ­es de bola, como manda o repertório de Jürgen Klopp. Com 54 segundos, a primeira recuperaçã­o de bola no ataque, com um minuto e 22 segundos, a segunda.

O Real Madrid finalizou uma vez. Uma! Gol.

Não se trata de nenhum pacto com nenhuma entidade estranha, mas de uma capacidade incrível de refazer um time com coadjuvant­es. Em 2018, contra o Liverpool, o Real Madrid se tornou o primeiro time da história a ganhar a Champions duas vezes seguidas com a mesma formação: Navas, Carvajal, Varane, Sergio Ramos e Marcelo; Casemiro, Kroos e Modric; Isco, Benzema e Cristiano Ronaldo.

Então, Cristiano foi embora para a Juventus e os merengues passaram quatro temporadas para refazer o time campeão. A partir de Benzema. Incrível como o coadjuvant­e de Cristiano virou o grande protagonis­ta. Vinicius coadjuvou o francês nesta temporada, à espera do momento de ser o ator principal.

Diferentem­ente de Zidane, flagrado pelas câmeras da Uefa depois do gol, Ancelotti confiou. Na decisão, Vinicius virou herói. O protagonis­ta do 14º troféu do Real Madrid.

Toda vez que se diz que o Brasil tem o maior número de jogadores numa fase de Champions, ou que se tornou, no sábado (28), o primeiro país não europeu a ter mais titulares do que uma nação do Velho Continente, alguém registra: “Não temos mais protagonis­tas”.

Vinicius Junior foi o protagonis­ta da decisão da Liga dos Campeões, pelo Real Madrid.

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