Folha de S.Paulo

Pinky Wainer A mulher artista depois dos 40 vive no limbo

Aos 68 anos, artista plástica inaugura mostra após 20 anos sem expor, diz que ficou mal após o impeachmen­t de Dilma Rousseff, compara o Tiktok ao movimento da contracult­ura e relembra juventude como filha de Danuza Leão e Samuel Wainer

- MÔNICA BERGAMO Por Bianka Vieira monica.bergamo@grupofolha.com.br

Loucas, dopadas e burguesas. Foram essas as mulheres que tiraram Pinky Wainer, 68, de um jejum de exposições que se arrastou por cerca de duas décadas. A última delas foi feita quando a artista plástica tinha por volta de 40 anos de idade. “Vi que a mulher artista depois dos 40, 50 [anos] não existe mais. Ela vive no limbo. A não ser que seja blockbuste­r, né? E eu fiquei muito triste. Eu sou grande, mas sou pequeninin­ha”, diz, entre risos, sobre suas razões para o hiato.

“Ninguém me chamava para nada. Eu fiz tantas coisas tão incríveis, eu fiz design gráfico de capa de CD, capa de livro, coleção, um monte de coisa. Adorava fazer. E uma hora acaba. Por quê? Porque tem uma galera de 19, 20 anos que quer fazer a mesma coisa que eu, e que certamente vai fazer de uma maneira tão diferente da minha, tão mais contemporâ­nea e mais barata, que é isso aí. Mas você demora para perceber. Não é uma coisa que você acorda e fala: ‘Fiquei obsoleta’.”

Pinky recebeu a coluna na travessa Dona Paula, na capital paulista, uma discreta vila no bairro de Higienópol­is que abriga a recém-inaugurada Galeria Lanterna Mágica. É neste espaço que ela expõe duas séries de obras: “Mulheres Dopadas” e “A Pintora Esquecida”.

Ao distanciar seu nome da produção autoral, a artista criou a Loja do Bispo e fundou uma editora de mesmo nome. A empreitada se estendeu de 2005 a 2015. Depois disso, ela passou a ministrar aulas de aquarela. “Ali eu fui começando a pintar. Não naquela alegria de uma paisagem, mas naquela angústia de uma cidade e de um país estranho”, afirma, citando 2016.

Aquele ano seria marcado pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) e por um processo de distanciam­ento de Pinky do ativismo. “Depois que a Dilma tomou o golpe, eu fiquei mal”, diz. “Tudo parecia tão cinza.”

“Eu não sabia muito bem o que fazer politicame­nte. Usei da minha coragem e da minha raiva ao fazer as mulheres [hoje em cartaz] porque elas são também pretextos para misturar técnicas, fazer colagens e muitas coisas que um aquarelist­a tradiciona­l não pode fazer”, diz. “São mulheres que estão dentro de mim e de muitas mulheres e carregam uma angústia, uma dúvida, uma vontade de existir plenamente.”

Além das protagonis­tas anunciadas pelo título da mostra, as obras expostas por Pinky misturam palavras de autores como Eça de Queiroz, Leon Trótski e Pablo Neruda. “Meu marido tinha uns livros em casa, antigos, e eu também. E a gente chegou à conclusão de que ninguém quer nossos livros porque ninguém lê [risos].”

A própria Pinky admite que tem se divertido mais com o Youtube do que com a literatura. “Me deixa mais relaxada, por incrível que pareça, do que qualquer livro ou filme. Fico lá vendo bobagem, dando risada. Vou desde a separação da Wanessa Camargo até o professor Fernando Horta.”

Um dos canais que acompanha é o do streamer Casimiro, que se popularizo­u nas redes transmitin­do jogos e reagindo a vídeos. “Eu falo para os meus netos e eles se incomodam profundame­nte. ‘Acabou o Casimiro, ficou cringe’. Agora sabe o que eu faço?

Não conto mais”, afirma, caindo na risada.

Pinky diz temer “ficar uma velha chata” e faz questão de não tecer críticas contra novidades que não assimila tão bem, como é o caso do Tiktok. “Falar mal da estética dessas meninas é uma coisa muito conservado­ra”, afirma. “Tem uma coisa que é muito legal: vai acabar daqui a cinco minutos. E vai aparecer um outro Tiktok. Essa rapidez da mudança é que tem que ficar presente o tempo todo na mente.”

Para a artista, o fenômeno da rede social de trends e dancinhas se assemelha ao da contracult­ura nos anos 1960, movimento que acompanhou de perto. “A gente era hippie, a gente queria ir para Arembepe [na Bahia], a gente queria ir para o festival de Woodstock e a gente queria isso tudo. Usava aquelas roupas, não usava sutiã, [falava em] liberdade sexual. E naquela época era tão grave ou mais grave do que um Tiktok. São, comparativ­amente, mudanças que se repetem.”

Pinky diz que, na sua juventude, tinha como opção ser alienada ou revolucion­ária. Acabou escolhendo o primeiro caminho. “Meu pai me forçou muito para isso, inclusive. Ele não queria me ver metida naquela violência toda. Hoje em dia eu percebo isso”, conta ela, que é filha da ex-modelo e escritora Danuza Leão e de Samuel Wainer, um dos nomes mais importante­s da imprensa brasileira no século 20.

“Até o golpe [de 1964], eu era a dona do mundo. Meu pai ia ser o Roberto Marinho de esquerda [risos]. Não sei se para o bem ou para o mal, mas ele não foi. E nós fomos para a Europa, num exílio que começou muito bem, mas depois o dinheiro foi acabando. E voltamos. Caímos no Rio de Janeiro.”

Anos depois, Pinky se mudaria para São Paulo e seria acompanhad­a pelo pai. “Ele estava muito ferrado. O Rio de Janeiro é muito cruel com quem perde”, conta. Na capital paulista, Samuel Wainer tinha sua trajetória reconhecid­a e era prestigiad­o por jornaleiro­s, garçons e taxistas, segundo Pinky. “Ele foi muito feliz nos últimos anos dele.”

Ser filha de duas personalid­ades teve seu custo. Nas palavras da artista plástica, que diz ter levado décadas para compreendê-los, Danuza e Samuel eram luz para ela e seus irmãos, mas também sombra.

“Dava trabalho, né? Todo lugar que eu ia tinha alguém me olhando. ‘A filha do Samuel’, ‘a filha da Danuza’. Quantas vezes me chamaram para ser jornalista porque eu era filha do Samuel? Quantas vezes fui desfilar porque era filha da Danuza? Essa não era eu, e isso era doído”, diz Pinky, que se apressa em pedir desculpas por seus “problemas de gente branca”. Sobrinha de Nara Leão, ela chegou até mesmo a ser convidada para performar como cantora. “Eu falei: Cantar, não. Espera aí, calma.”

Pinky Wainer diz tentar ser otimista por desejar para sua família que tudo melhore e se transforme. Uma das motivações mais recentes tem sido a chegada de sua neta caçula, Irene, a quem compara a “um sonho de valsa”. “[Seu nascimento] é um fator de otimismo e de olhar para frente. Não podemos tropeçar. Vamos embora.”

Mas seu otimismo, por ora, não encontra eco na análise que faz do estado das coisas. “Precisamos ver a eleição em outubro, a guerra, uma série de coisas. A extrema direita também voltou na Europa, e a Europa está entrando num lugar ruim que é o lugar da inflação, da falta de aqueciment­o. Daqui a pouco vai dar merda.”

“Não conheço o golpe que você avisa. Não entendo essa linguagem. E alguma coisa, sim, vai acontecer. Mas não vai ser linear, como a gente está acostumada a ler nos livros. Vai ser uma coisa século 21”, diz sobre as ameaças de Jair Bolsonaro (PL) contra as eleições.

“O futuro é sempre inesperado. Você pode inventar o que quiser, mas você não sabe [o que vai acontecer]. A pandemia é um bom exemplo. De repente, o imponderáv­el.”

 ?? Adriano Vizoni/ Folhapress ?? A artista plástica Pinky Wainer ao lado das séries “Mulheres Dopadas” e “A Pintora Esquecida”, de sua autoria, na Galeria Lanterna Mágica, em SP
Adriano Vizoni/ Folhapress A artista plástica Pinky Wainer ao lado das séries “Mulheres Dopadas” e “A Pintora Esquecida”, de sua autoria, na Galeria Lanterna Mágica, em SP
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil