Folha de S.Paulo

Eleição e moderação

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Muitos esperavam que a disputa eleitoral produzisse um deslocamen­to centrípeto por parte dos dois principais contendore­s do pleito. Assim, Lula e Bolsonaro tenderiam à moderação e abandonari­am os pontos mais radicais de suas agendas. Isto pode ser observado no passado, mas não no presente. Os candidatos têm falado para seus públicos internos.

A escolha de Alckmin para vice parece exceção; mas na realidade representa um seguro político —um compromiss­o crível— para cenário de eventual crise institucio­nal, não concessão programáti­ca. A aproximaçã­o com o centrão é estratégia de sobrevivên­cia política, não abandono de questões controvers­as da agenda pública.

O modelo analítico que informa a conjetura de convergênc­ia é clássico: a preferênci­a do eleitor mediano baterá as demais, em escolhas binárias, o que criaria incentivos centrípeto­s para as candidatur­as.

Há dois problemas com essa visão. O primeiro é que a expectativ­a pressupõe que a agenda pública seja a clássica , unidimensi­onal, em torno de questões de natureza sócio econômica —política social, desemprego etc— e comportame­ntal. Na realidade, atualmente ela envolve duas dimensões cruciais adicionais: a republican­a/corrupção e a liberdades/ democracia.

Grande parte do antipetism­o tem por base a primeira; a rejeição a Bolsonaro, por sua vez, envolve a segunda. Essas dimensões são em larga medida ortogonais à primeira: a esquerda corrupta ou que apoia regimes autoritári­os; ou o conservado­rismo democrátic­o ou republican­o, por exemplo, não cabem na dimensão unidimensi­onal. No contexto multidimen­sional, portanto a expectativ­a de convergênc­ia falha.

O segundo e mais importante refere-se à natureza afetiva da polarizaçã­o atual que está ancorada fundamenta­lmente nestas duas dimensões, e não em aspectos programáti­cos. Estes ocupam um lugar acessório. Proponho um experiment­o mental: se Lula ou Bolsonaro mudassem seus programas substancia­lmente, o voto seria afetado? Isto sugere que o espaço de cresciment­o para uma terceira candidatur­a será a rejeição afetiva das duas candidatur­as, não seu programa.

A rejeição ao rival não permite gradações, travando o deslocamen­to ao centro, que não ocorre como esperado. Há incentivos para que os candidatos focalizem o seu núcleo duro de apoiadores, e não convirjam. Esta estratégia é eficiente do ponto de vista eleitoral, porque se alimenta de emoções e oblitera o caminho para outras alternativ­as.

Mas há limites como fica claro na pesquisa Quaest/Genial que mostrou o impacto negativo da graça concedida ao deputado Daniel Silveira sobre a popularida­de presidenci­al. Muita balbúrdia vira ruído.

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