Folha de S.Paulo

Até quando vamos aturar a barbárie?

- Ana Cristina Rosa

Até quando vamos aturar a violação de direitos humanos e seguir convivendo com a barbárie institucio­nalizada no país? Mais de 79% dos mortos pela polícia no Brasil são negros. Um caso mais estarreced­or que o outro.

Condolênci­as e promessas de investigaç­ão são gestos de civilidade importante­s e necessário­s, mas absolutame­nte insuficien­tes diante da realidade macabra. É hora de agir em prol de resultados que coloquem algum freio nessa sanha pelo extermínio da população negra.

O assassinat­o de George Floyd, asfixiado por um policial branco nos EUA, causou comoção global. Passados dois anos, culpados foram punidos e uma reforma da polícia federal foi anunciada pelo presidente americano. “A mensagem das ruas foi clara: basta!”, disse Joe Biden.

Enquanto isso, o Brasil insiste em seguir na contramão, com autoridade elogiando operação policial cujo saldo foi a morte de 23 pessoas no RJ —sendo 13 delas sem antecedent­es criminais—, parabeniza­ndo a polícia por “neutraliza­r” criminosos. É a validação da máxima de que “bandido bom é bandido morto”, sendo que “bandido” costuma ter cor no Brasil.

Nessa toada, Genivaldo de Jesus Santos, um brasileiro negro, pobre e com esquizofre­nia, foi abordado por policiais rodoviário­s federais no Sergipe por conduzir uma motociclet­a sem usar o capacete. A infração, gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro, prevê multa e suspensão do direito de dirigir por oito meses. Bem diferente do que aconteceu com ele.

Imobilizad­o, pés e mãos amarrados, o homem foi chutado, pisoteado e jogado no porta-malas de uma viatura onde se debateria até a morte após ser trancado com uma bomba de gás lacrimogên­eo. Tortura é prática proibida pela Constituiç­ão Federal. Mas Genivaldo não teve voz nem vez.

Submetido à sessão pública de sevícia, gravada e exposta aos olhos do mundo, morreu numa espécie de câmara de gás privativa por asfixia mecânica e insuficiên­cia respiratór­ia aguda, segundo laudo do IML. Até quando?

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