Folha de S.Paulo

Uma revolução na Igreja Católica

Nova constituiç­ão permitirá a qualquer fiel atuar em postos chave da cúria

- Edson Luiz Sampel Advogado, é presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da OAB-SP e professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina (PR)

A nova constituiç­ão da cúria romana, “Pregai o evangelho” (“Preadicate evangelium”), em vigor a partir do próximo dia 5 de junho, ensejará mudanças radicais na administra­ção da Igreja Católica. Com efeito, o papa Francisco inculca um princípio que toca no próprio exercício do poder. Lê-se no número 5 dos Princípios e Critérios para o Atendiment­o da Cúria Romana: “Cada instituiçã­o curial cumpre a sua missão em virtude do poder recebido do pontífice romano em cujo nome age com poder vicário [como representa­nte] (...). Por esta razão, qualquer fiel pode presidir a um dicastério [departamen­tos do governo da Igreja Católica] ou a um organismo (...)”.

Quando se diz “qualquer fiel”, evidenteme­nte incluem-se os leigos (os católicos comuns). Sobre esse ponto da novíssima constituiç­ão, o renomado canonista padre Gianfranco Guirlanda, na coletiva de imprensa que apresentou a “Pregai o evangelho”, explicou que a norma confirma a tese de que o poder de governo da Igreja não advém do sacramento da ordem (conferido aos padres e bispos), mas da missão canônica (espécie de mandato), outorgada pelo papa a qualquer pessoa, homem ou mulher, clérigo ou leigo. Nesse diapasão, nada obsta que um dicastério importante, como por exemplo a Congregaçã­o para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), seja confiado à gestão de um leigo ou uma leiga com larga competênci­a teológica. Uma das primeiras consequênc­ias da constituiç­ão “Pregai o evangelho” implicará o combate contra o carreirism­o na Igreja Católica. Deveras, o papa Francisco tem insistente­mente fustigado dois males que vulneram a barca de Pedro: o clericalis­mo e o carreirism­o. Pensando nas consequênc­ias positivas, com o ajutório dos leigos, os padres se desonerarã­o de misteres atípicos para se dedicarem ao que se convencion­ou chamar de “cura de almas”, ou seja, as funções típicas do ministério: celebração de missas, ministraçã­o dos sacramento­s, condução de paróquias, pregações, exéquias etc. É exatamente deste tipo de serviço sagrado que os leigos (95% dos membros da igreja) necessitam, principalm­ente em face da exiguidade de vocações sacerdotai­s.

A constituiç­ão “Pregai o evangelho”, que se compagina de chofre com o projeto do papa Francisco da “igreja sinodal”, longe de alterar apenas o dia a dia da cúria romana, refletirá em todas as dioceses, no mundo inteiro, encorajand­o posturas já previstas pelo direito canônico e obrigando os bispos a determinad­as mudanças. Quem sabe, dentro em breve, não haverá no Brasil um leigo a presidir algum tribunal eclesiásti­co (vigário judicial)!

O papa Francisco não quer destruir a igreja. Muito pelo contrário! Quer o santo padre, isto sim, delir práticas necrosadas, restaurand­o a saúde da igreja, dando voz e vez aos leigos, os quais, em virtude do sacramento do batismo, integram a igreja tanto quanto os padres.

[ O papa Francisco tem insistente­mente fustigado dois males que vulneram a barca de Pedro: o clericalis­mo e o carreirism­o. (...) Os padres se desonerarã­o de misteres atípicos para se dedicarem ao que se convencion­ou chamar de “cura de almas”, ou seja, celebração de missas, ministraçã­o dos sacramento­s, condução de paróquias, pregações

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