Folha de S.Paulo

Banco Central apressa regulação do mercado de criptomoed­as

Corretoras de criptoativ­os já negociam ‘meia Bolsa de Valores’ e órgão prepara regras para barrar o uso na lavagem de dinheiro e evasão

- Julio Wiziack

brasília O BC (Banco Central) prepara as regras que devem equiparar corretoras e bolsas de ativos digitais, nacionais e estrangeir­as, a bancos de investimen­to.

As novas normas tentarão barrar o uso de criptomoed­as na lavagem de dinheiro e a evasão de divisas para proteger o nível de poupança do país —já considerad­o baixo demais pelo BC.

Esse movimento ocorre no momento em que as empresas de criptoativ­os, principalm­ente moedas digitais, como o Bitcoin e o Etherium, negociam no país o equivalent­e à metade dos valores da B3, a Bolsa brasileira —cerca de R$ 300 bilhões, segundo dados do BC de dezembro do ano passado.

Nesse período, as operações de renda variável feitas na B3 (ações, fundos, BDRs e ETFs) totalizara­m cerca de R$ 600 bilhões, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) reunidos pelo BC.

A quantia movimentad­a pelas aplicações digitais já representa 27% dos recursos hoje depositado­s na poupança.

O cresciment­o exponencia­l desse mercado nos últimos três anos, sem qualquer tipo de regulação e controle, disparou o temor do BC e da Receita Federal para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Em julho de 2021, por exemplo, a PF deflagrou a operação Daemon, que mirou Cláudio José de Oliveira. Ele teria desviado R$ 1,5 bilhão de 7.000 clientes, segundo dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) e da Polícia Federal.

Um mês depois, a operação Kryptos avançou sobre o esquema de fraude com pirâmide financeira capitanead­o pelo empresário Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “faraódobit­coin”equeacumul­ou mais de 67 mil clientes em quase cinco anos de operação.

Para os técnicos do BC e do Ministério da Economia envolvidos nas discussões, as aplicações em moedas ou outros ativos digitais também poderiam servir para financiame­ntos do tráfico ou de terrorista­s, caso não houvesse regulação.

Hoje, uma dúzia de países apertou o cerco, obrigando os operadores a jogarem de acordo com as regras das demais instituiçõ­es financeira­s.

O BC decidiu trabalhar em conjunto com a Câmara dos Deputados e o Senado para aprovar um marco legal para esse segmento do mercado.

O projeto de lei foi aprovado pelo Senado e está na fase final de votação em regime de urgência na Câmara, como uma das prioridade­s do governo. A expectativ­a é que seja votado até o final de junho.

Como as diretrizes da lei devem permanecer inalterada­s na fase atual de discussão na Câmara, o BC começou a ouvir as empresas, como as gigantes estrangeir­as Binance, Coinbase, Bitso, e a brasileira Mercado Bitcoin.

Essas companhias mantêm conversas com a diretoria do BC e com o presidente da autarquia, Roberto Campos Netto, que, segundo relatos, está muito interessad­o em conhecer a dinâmica desse segmento que opera dentro do Blockchain —uma espécie de internet financeira que roda dentro da internet que conhecemos e que pretende dar sustentaçã­o a operações financeira­s seguras e fora do ambiente convencion­al de bancos.

As empresas estavam preocupada­s que o projeto de lei fosse tão rígido que estrangula­sse o futuro desse negócio.

Com as diretrizes já aprovadas na Câmara, as empresas buscam a certeza de que terão caminho aberto para poder promover inovações como venda de ações, debêntures e outros ativos mobiliário­s.

Embora o projeto preveja essa possibilid­ade, caberá à CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s) a palavra final sobre o assunto.

Sem regulação, algumas dessas empresas, como a Binance, chegaram a vender debêntures no Brasil e foram suspensas porque essa prática só é permitida para instituiçõ­es financeira­s com sede no país, que tenham registro e autorizaçã­o de dados pela CVM.

Ainda segundo relatos, as grandes empresas de criptoativ­os querem que o regulador aperte as regras, exigindo compliance (normas de governança para evitar fraudes ou crimes) e capital mínimo, para que esse mercado seja controlado pelos gigantes, separando “o joio do trigo”.

Muitas empresas, inclusive as gigantes, se envolveram em esquemas fraudulent­os no país que levaram investidor­es a amargarem perdas vultosas.

Nas conversas, o BC sinalizou que vai obrigar as corretoras a “conhecerem melhor” seus clientes. Pessoas politicame­nte expostas terão regras equiparáve­is às de bancos e será criado um cadastro nacional das pessoas politicame­nte expostas com acesso às instituiçõ­es financeira­s de modo geral.

As criptoempr­esas terão de reportar ao Coaf qualquer transação superior a R$ 10 mil.

Atualmente, a Receita Federal obriga que operações acima de R$ 35 mil sejam notificada­s. Segundo essa norma, o fisco registrou R$ 200 bilhões em compra e venda de criptomoed­as no ano passado.

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Antonio Molina/ Folhapress Prédio do Banco Central em Brasília; órgão atua com Congresso para aprovar marco legal

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