Folha de S.Paulo

Lucro recorde na Bolsa mascara perspectiv­a para a economia real

O aumento do lucro não se traduz em cresciment­o das empresas

- Marcos de Vasconcell­os Jornalista, assessor de investimen­tos e fundador do Monitor do Mercado

Ao ler o noticiário sobre os balanços das empresas no último trimestre, a sensação que se tem é que voamos em céu de brigadeiro. Lucro recorde da Petrobras, da Vale, dos bancos e de todo o conjunto de empresas com ações na Bolsa de Valores.

De repente, notamos que os bancos tiveram lucro recorde, mas distribuír­am menos dividendos para seus acionistas. Foi, aliás, a distribuiç­ão mais baixa de dividendos das instituiçõ­es desde 2014. Migalhas, se comparadas ao “lucro recorde” anunciado.

É preciso lembrar também que algumas das nossas campeãs da Bolsa surfam na super alta das commoditie­s. Petrobras, Vale e Suzano, que tiveram o maior lucro do trimestre, são quase 29% do Ibovespa. Isso, aliás, explica o bom desempenho do nosso principal índice de ações neste ano, enquanto os grandes mercados globais derretem.

Mesmo tirando essas três empresas da conta, o conjunto de 356 companhias com ações na Bolsa lucrou R$ 901,8 bilhões nos primeiros três meses deste ano. Isso é 44% a mais do que o registrado no mesmo período de 2021, de acordo com a Economatic­a, empresa que vende dados de mercado.

E se as principais empresas do país lucraram 44% a mais, por que não sentimos o aumento da circulação de dinheiro no nosso dia a dia? Você conhece ao menos cinco pessoas que tiveram aumento de 40% em seus rendimento­s no último ano? Não dá para culpar só a inflação pela diferença, cujo salto nos últimos 12 meses foi de 12,13%.

Acontece que, ao contrário do que diz o nosso pensamento lógico, o aumento do lucro não se traduz em cresciment­o das empresas. Às vezes, é justamente o contrário.

O faturament­o das companhias da Bolsa no primeiro trimestre deste ano foi mesmo maior que no ano passado, mas cerca de 24%, mostra estudo do BTG Pactual. Bem abaixo dos 44% de aumento do lucro.

Soma-se a isso uma queda do dólar que levou a uma significat­iva redução das despesas de grandes companhias. Em um ano, a queda acumulada na moeda americana frente ao real já é de mais de 8%.

E aí vem o ponto crucial a ser analisado em conjunto com a alta dos lucros: a queda no endividame­nto das empresas. As grandes empresas brasileira­s estão assumindo menos dívidas. O dinheiro está custando muito caro, com a nossa atual taxa básica de juros (Selic) a 12,75% ao ano.

Enquanto, para sua vida privada, cortar dívidas costuma ser motivo para festejar, em uma empresa de porte, a queda no endividame­nto traduzse, normalment­e, em menos investimen­tos na ampliação do negócio, na geração de empregos e criação de novas frentes.

As empresas com ações em Bolsa estão reduzindo de forma acelerada sua alavancage­m, que é a relação entre dívida líquida e o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciaçã­o e amortizaçã­o). Ou seja: estão tomando menos risco, fazendo menos apostas no próprio cresciment­o.

Em 2019, a relação dívida líquida/Ebitda, que, simplifica­ndo, diz em quanto tempo a empresa conseguiri­a pagar as dívidas que tem, estava em dois anos. Em 2015, encontrava-se em 2,9 anos. Hoje, está em pouco mais de um ano e meio. Isso sem levar em conta Petrobras e Vale, cujos tamanhos colossais acabam por prejudicar as amostras.

No curto prazo, isso se traduz em aumento do lucro, mas traz a perspectiv­a de uma economia que anda mais devagar do que estávamos acostumado­s nos últimos anos. Já falei aqui como os grandes fundos estão com o caixa cheio, esperando alguma certeza para fazer suas apostas. Pois as empresas parecem estar no mesmo impasse.

Recentemen­te, o escolado gestor da SF2 Investimen­tos, Sérgio Machado, trouxe uma dica valiosa em seu perfil no Twitter: A melhor coisa para este momento de tantas incertezas é tentar navegar em jornadas curtas, deixando os planos para grandes travessias para quando houver mais informaçõe­s ou definições sobre a mesa.

O lado bom é que as recentes altas na Bolsa deixam claro que não faltam oportunida­des para essas pequenas jornadas.

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