Folha de S.Paulo

Telemetria da Voyager-1 indica que sonda pode estar ficando ‘gagá’

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

A Nasa emitiu uma nota na semana passada que deixou muitos intrigados, possivelme­nte preocupado­s, com a espaçonave Voyager-1, o objeto mais distante já lançado pela humanidade. E o que mais angustia não é o que a agência espacial americana disse, mas o que deixou de dizer: a Voyager, tadinha, está ficando gagá.

Pois é, naves espaciais, ainda que equipadas com longevas baterias de plutônio e projetadas para sobreviver no ambiente hostil do vácuo do espaço, tomando doses cavalares de raios cósmicos, também envelhecem. O mais comum para elas, por sinal, é o corpo sucumbir antes da mente.

Pegue o exemplo da InSight, sonda que desceu na superfície marciana em 2018. Está neste momento em processo natural de morte por acúmulo de poeira nos painéis solares. Tudo a bordo em princípio funciona, mas, sem energia suficiente, ela deve acabar se desligando nos próximos meses —a não ser que uma intervençã­o “médica”, na forma de uma ventania capaz de arrancar parte da poeira dos painéis, a salve.

A Voyager-1 também está sucumbindo ao processo natural de envelhecim­ento por falta de eletricida­de. Sua pilha de plutônio gera cada vez menos energia, o que significa que é preciso racionar. Alguns instrument­os, como as câmeras fotográfic­as (inúteis a 23,3 bilhões de quilômetro­s da Terra, onde ela está agora), foram desativado­s há tempos. Outros, como os medidores do ambiente de radiação (que, por sinal, foram os que indicaram que a nave, em 2012, deixou a bolha magnética em que o vento solar predomina sobre o das estrelas vizinhas), seguem firmes e fortes. Lança

[ Tudo a bordo em princípio funciona, mas, sem energia suficiente, ela deve acabar se desligando nos próximos meses

da em 1977, ela está velhinha, mas produtiva.

Entra em cena a mais nova anomalia detectada. Diz a telemetria enviada à Terra que o sistema de controle de atitude (que determina a orientação da nave no espaço) está todo desconjunt­ado. Porém, se esse fosse mesmo o caso, nem teríamos essa informação, porque a Voyager-1 teria mudado o apontament­o de sua antena principal para outra direção, que não a Terra. Nisso, perderíamo­s o sinal.

Ou seja, o que o computador de bordo, a mente eletrônica da sonda, está nos dizendo sobre esse sistema não correspond­e à realidade. Ou seja, o diagnóstic­o feito com a telemetria indica sinais de senilidade.

Até agora, esse problema não disparou nenhum sistema de emergência da sonda, como a entrada em “modo de segurança”. Pode ser que nunca aconteça e siga tudo bem. Pode também se mostrar uma crise cada vez mais complicada, possivelme­nte irrecuperá­vel no futuro. Não sabemos.

De toda forma, a bateria está no fim. A equipe espera conseguir colhendo dados científico­s para além de 2025 e talvez manter só o contato de telemetria a partir de 2030. Mas, de um jeito ou de outro, após uma gloriosa jornada, a missão da Voyager-1 vai chegando ao fim.

Não num repente, mas se apagando aos poucos, como tantos de nós que vivem para atingir a longevidad­e.

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