Folha de S.Paulo

Máximas para os nossos tempos

Maior problema ontológico de nossa era é saber o que é uma mulher

- Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de ‘Notas sobre a Esperança e o Desespero’ e ‘Política no Cotidiano’. É doutor em filosofia pela USP

Máximas são um estilo de escrita em que um argumento é contido numas poucas frases. Modo de expressão típica dos chamados moralistas franceses do século 17, mas não só deles, normalment­e ele carrega uma crítica ou uma revelação sobre a vida ou sobre as pessoas. E, se expresso de outro modo, mais longo, perderia grande parte de sua força.

Moralistas franceses do século 17 são filósofos como Blaise Pascal ou “críticos comportame­ntais”, como seria dito hoje, caso de La Rochefouca­uld ou La Bruyère, que eram anatomista­s da alma humana. Falavam de costumes, humores, “tendências da época”, de novo, como seria dito hoje.

Podemos pensar em algumas máximas para uso em nossos tempos atuais.

Parar de usar máscaras no rosto hoje seria reconhecer que a pandemia passou ainda no governo Bolsonaro —esse luxo só deve ser dado ao Lula. Quando ele for presidente de novo, aí, a consciênci­a epidemioló­gica, finalmente, poderá repousar em paz.

Se você quiser destruir a viagem de alguém a Paris, invente um restaurant­e que não existe e faça ela ficar procurando no Google como louca por esse lugar, sem saber onde errou nos planos de viagem gastronômi­ca da qual acabou de voltar. Quem será o chef top desse restaurant­e que só os chiques realmente conhecem? A mentira hoje é um método. Marx estava certo. Nós é que não resistimos à vida de luxo.

O feminismo hoje é uma forma de histeria coletiva. Nem Sade foi tão longe no gozo do ódio.

Vocabulári­o da esquerda Nutella: transfobia, gordofobia, homofobia. Enfim, a política é a neurose da moda.

Maior problema ontológico de nossa era: o que é uma mulher? Antes essa indagação era envolvida no erotismo da sedução feminina. Hoje é pergunta de gente chata.

Existem dois tipos de dinheiro: o meu e o dos outros. Com o dos outros fazem-se projetos sociais para salvar o mundo todos os dias.

Diante do puritanism­o que tomou conta dos jovens em nossa época, o mais formal protocolo deve pautar a nossa relação com eles. Nenhum espaço para a informalid­ade deve existir nas relações.

Não esperem que saia nada de bom das universida­des. Elas estão mortas para o gozo do saber. Só há burocratas, Torquemada e marqueteir­os.

Todo o lixo que povoa nossa cultura contemporâ­nea faz com que sintamos saudade do tempo em que os Estados Unidos exportavam só Coca-Cola.

Toda a inteligênc­ia do mundo hoje em dia está voltada para a geração de demanda e adesão ao consumo de comportame­ntos, deuses ao portador e, acima de tudo, poses.

A polarizaçã­o é o ruído natural da estupidez.

A modernidad­e é, na verdade, um surto psicótico. A condição psicológic­a da espécie humana sempre foi lábil.

Cursos empresaria­is contra racismo e assédio só funcionam quando alimentado­s por rancor, ressentime­nto e medo.

Frases como “meu corpo, minhas regras” não resistem a uma saia curta e um salto alto.

A ideia de debate hoje é um fetiche cultural, assim como a ideia de consciênci­a crítica.

No fim do dia, o mercado asfixia a inteligênc­ia. Esse é o argumento supremo contra o otimismo liberal.

As viúvas da pandemia estão desesperad­as. Rezam a cada dia por uma nova variante decentemen­te mortal.

A política nada mais é que o território da violência.

Quem primeiro despreza a inteligênc­ia de uma mulher bonita são as mulheres feias.

O discurso dos homens emancipado­s é, antes de tudo, uma forma contemporâ­nea do velho medo masculino diante das mulheres.

O destino de um homem depende da sua capacidade de penetrar uma mulher de forma competente.

A virtude de uma mulher depende do número de taças de vinho que ela beber.

Nunca se deve pedir desculpas nas redes sociais.

Se um transexual xingar você, concorde com ele em gênero, número e grau. Do contrário, você perderá emprego, amigos e patrocínio.

Patrocínio hoje é uma forma poderosa de censura.

A dignidade sempre foi uma commodity barata. Quem diz que não tem preço é o mais barato entre todos.

Continua-se comendo todo mundo no ambiente de trabalho. A diferença é que o sexo no meio do expediente virou mercado para os advogados.

Acima de tudo, jamais, nunca, pense fora da caixa no mundo corporativ­o.

Graça, de um conceito ético e espiritual, passou a significar uma forma de elegância do gesto. É prova evidente da vitória da estética sobre a ética.

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Ricardo Cammarota

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