Folha de S.Paulo

Marqueteir­o de Lula quer ligar miséria ao governo Bolsonaro

Sidônio Palmeira é conhecido por discrição e seu passado como líder estudantil

- Catia Seabra e João Pedro Pitombo

SÃO PAULO E Salvador No dia 4 de maio, o publicitár­io Sidônio Palmeira apresentou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o filme que seria exibido três dias depois, no lançamento da pré-candidatur­a ao Palácio do Planalto.

A peça—batizada de “dois lados”— exibe cenas de miséria, desmatamen­to e violência, além de covas destinadas a vítimas da Covid, em contraste com imagens de colheita, comida no prato e profission­ais de saúde no combate da pandemia. Com texto e trilha inspirados na Oração de São Francisco, o filme encerra perguntand­o: “Que Brasil você quer? O do ódio ou o do amor?”.

Após ver a peça, Lula questionou se seria momento apropriado para sua exibição. Segundo aliados, ele ponderou se o lançamento de sua pré-candidatur­a não deveria ser marcado exclusivam­ente por uma mensagem de amor.

Sidônio convenceu Lula sob o argumento de que seria necessário desde já demarcar diferenças com Bolsonaro, dentro da estratégia de criar um clima de segundo turno ainda na pré-campanha. Para ele, tudo é uma questão de posologia.

Essa foi a segunda vez que Lula e Sidônio conversara­m. Escolhido em meio à disputa interna que levou à destituiçã­o do antecessor, o publicitár­io assumiu o marketing da pré-campanha duas semanas antes do lançamento oficial, tendo o desafio de conquistar o candidato e seus colaborado­res. Hoje sua tarefa é garantir que a crise econômica ocupe o centro do debate eleitoral.

Na semana passada, levantamen­to do Datafolha apontou Lula 21 pontos à frente de Jair Bolsonaro (PL). Aliados do petista atribuíram parte do resultado —que inclui alta de Lula na pesquisa espontânea— à situação econômica do país.

“Sidônio funciona muito bem em uma campanha polarizada. Ele trabalha para acentuar o polo e entra para o diálogo em uma linguagem direta. Isso é uma marca que vem da sua raiz de militância”, diz o ex-senador Walter Pinheiro, que trabalhou com ele nas campanhas de 2008 e 2010.

Ele será o terceiro baiano a comandar o marketing de Lula. Em 2002, o publicitár­io Duda Mendonça (1944-2021) esteve à frente da vitoriosa campanha do petista com o mote “Lulinha paz e amor”. Em 2006, João Santana assumiu o marketing da campanha de reeleição do petista.

Os dois enfrentara­m problemas com a Justiça: Duda admitiu ter recebido recursos de caixa 2 na campanha, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Santana foi condenado por lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato.

Ao contrário dos antecessor­es, Sidônio Palmeira é pouco afeito aos holofotes, não gosta de ser chamado de marqueteir­o e costuma criticar publicitár­ios que ganham maior notoriedad­e que os candidatos.

Nas reuniões, costuma repetir que o marketing é uma ferramenta para dar forma a uma diretriz política. Seu papel é traduzir a estratégia definida pelo candidato.

“Ele repete que a diretriz da campanha é política. O marketing é um meio”, diz o deputado Rui Falcão (PT), coordenado­r de comunicaçã­o da campanha de Lula.

Formado em engenharia, Sidônio é descrito como pragmático, didático e com capacidade de análise política.

De pé, o publicitár­io costuma apresentar à sua equipe um diagnóstic­o do cenário, delegando aos sócios a criação das peças publicitár­ias.

Colegas de profissão e políticos com quem já trabalhou dizem que ele tem um perfil conciliado­r, é pouco dado a rompantes e costuma ouvir antes de tomar uma decisão.

Também destacam que, apesar do verniz ideológico de esquerda, é um empresário com apetite para os negócios, que vão desde empreendim­entos imobiliári­os à criação de avestruzes.

No mundo empresaria­l, não tem cor político-partidária: Sidônio é sócio de empreendim­entos que envolvem o prefeito de Mata de São João (BA), João Gualberto (PSDB), e até mesmo o exprefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil).

Sua primeira experiênci­a política foi como líder estudantil na Universida­de Federal da Bahia. Entre 1981 e 1982, foi vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes na chapa “Viração”, ligada ao PC do B, junto com a hoje deputada federal Lídice da Mata (PSB) e a socióloga Clara Araújo, que depois veio a ser a primeira mulher a presidir a UNE (União Nacional dos Estudantes).

O grupo atuou na luta pela abertura política, por assistênci­a estudantil e na oposição ao então governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), cuja polícia reprimia manifestaç­ões estudantis.

“Sidônio ainda não atuava na comunicaçã­o. Ele era um articulado­r, um militante que já naquela época se destacava na montagem de estratégia­s políticas”, lembra Lídice da Mata.

O médico Alfredo Boa Sorte, também seu contemporâ­neo de DCE, afirma que o então estudante de engenharia tinha boa oratória e chegou à presidênci­a da União dos Estudantes da Bahia.

Ao sair da faculdade, migrou para a área de comunicaçã­o. Sua primeira campanha política foi em 1992, quando ajudou Lídice da Mata, então no PSDB, a se tornar a primeira mulher prefeita de Salvador.

Sua ascensão veio a partir de 2006, quando comandou a surpreende­nte vitória de Jaques Wagner (PT) para o governo baiano. A campanha fez sucesso com a personagem Zete, dona de casa que criticava a “panelinha” de políticos do então PFL que se revezavam no Executivo do estado.

Desde a vitória do PT, a agência Leiaute Comunicaçã­o, da qual Sidônio é sócio, venceu sucessivas concorrênc­ias de contratos de publicidad­e do Governo da Bahia.

A empresa está à frente, com uma fatia superior a 50%, de um consórcio de quatro empresas que divide o contrato principal de propaganda do estado.

Ao mesmo tempo em que teve uma trajetória de vitórias em eleições estaduais na Bahia, Sidônio enfrentou reveses em campanhas para a Prefeitura de Salvador –mesmo com 16 anos à frente do governo, o PT nunca conseguiu eleger um prefeito na capital baiana.

Em 2014, levou o então desconheci­do Rui Costa à vitória no primeiro turno na Bahia e se tornou uma estrela em ascensão no marketing político. Em 2017, passou a fazer peças de publicidad­e para o diretório nacional do PT e no ano seguinte atuou no segundo turno da campanha de Fernando Haddad (PT) à Presidênci­a contra Jair Bolsonaro.

Nessa época, enfrentou desafios no campo judicial: a Leiaute foi alvo de busca e apreensão em operação da Polícia Federal que investigou, por suspeita de caixa dois, um instituto de pesquisa ligado ao deputado Marcelo Nilo (Republican­os). A Justiça Eleitoral da Bahia tornou as buscas sem efeito.

Sidônio também é alvo de uma ação civil pública de improbidad­e movida pelo Ministério Público por contrato firmado em 2006 com a Câmara de Salvador. A defesa do publicitár­io contesta a acusação, dizendo que os serviços foram devidament­e prestados e que não há irregulari­dades.

Fora da publicidad­e, Sidônio teve participaç­ão em empresas de produção de tilápias e de avestruz e mantém uma fazenda em Jacobina (340 km de Salvador). Nos últimos anos, fez investimen­tos mais agressivos no setor imobiliári­o.

O mais recente foi a aquisição de cotas de um fundo que arrematou por R$ 9 milhões o Palácio dos Esportes, prédio do Centro Histórico de Salvador que se tornará um hotel. Também é sócio em um empreendim­ento imobiliári­o na Praia do Forte, litoral norte da Bahia.

Fora dos negócios, ele ganhou notoriedad­e com a atuação no Esporte Clube Bahia, uma de suas paixões. Em 2013, ele liderou o movimento pela democratiz­ação da gestão do time.

Para isso, subiu à ribalta e passou a ser vidraça. Mesmo fora do dia a dia do clube, é alvo de parte da torcida: é mais criticado por sua atuação no Bahia do que em campanhas políticas.

Da convivênci­a no Bahia veio a amizade com o atual presidente do time, Guilherme Bellintani. A relação extrapolou o esporte e chegou à política: em 2020, Sidônio foi a ponte com o governador Rui Costa para fazer do presidente do Bahia candidato a prefeito de Salvador.

Rui Costa considerou que seria uma aposta arriscada, e a candidatur­a não prosperou. O tempo comprovou os riscos: o Bahia chegou ao final do Campeonato Brasileiro de 2020 próximo ao rebaixamen­to –que acabou se concretiza­ndo em 2021– e com a torcida tricolor em fúria.

“Sidônio funciona muito bem em uma campanha polarizada. Ele trabalha para acentuar o polo e entra para o diálogo em uma linguagem direta. Isso é uma marca que vem da sua raiz de militância Walter Pinheiro ex-senador que trabalhou com o marqueteir­o em 2008 e 2010

 ?? Arquivo pessoal ?? Sidônio Palmeira (de óculos) em encontro com o petista Fernando Haddad (à dir.)
Arquivo pessoal Sidônio Palmeira (de óculos) em encontro com o petista Fernando Haddad (à dir.)

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