Folha de S.Paulo

Iliberais dos dois lados

- Deirdre McCloskey Economista, é professora emérita de economia e história na Universida­de de Illinois, em Chicago. Escreve às quartas Tradução de Clara Allain

Quase todo mundo acredita que o Estado comanda, faz, impulsiona, conduz, movimenta, regula, gera a economia. Parece bom, ou assustador, dependendo do ponto de vista de cada um sobre se o Estado é sábio ou burro.

Essa crença é resumida num termo mágico, um entre tantos que ganharam destaque nos últimos 200 anos: “política pública”. Se alguma coisa dá errado, pensam os modernos, deve haver uma política pública que dê um jeito. Não fiquem parados. Façam alguma coisa. Aprovem uma lei e os salários subirão. Aprovem outra e a indústria brasileira vai prosperar.

É mágica efetuada com palavras. Veja o discurso de Lula, algumas semanas atrás, quando delineou as políticas públicas que vai adotar depois que for vitorioso em sua sexta tentativa de chegar à Presidênci­a. O Estado vai estimular, conduzir, gerar a economia. Ou veja o bolsonaris­mo, parte do qual é feito de decisões sábias de não ter uma política pública, para começo de conversa, mas outras partes do qual nem tanto. Desencoraj­ar as vacinas, por exemplo. Obstruir os direitos reprodutiv­os da mulher, por exemplo. À moda de nosso Trump, usar o discurso que Mussolini, Salazar ou Figueiredo usaram, por exemplo.

Entretanto, a maior parte da economia depende dos esforços pessoais de brasileiro­s particular­es, não do Estado. É você quem planta a soja, vai ao escritório, dirige o caminhão, ensina o samba. O Estado não administra escolas de samba.

Nas palavras de Howard Becker, grande sociólogo americano e aficionado do Brasil, a maior parte de nossa vida econômica, social, pessoal, linguístic­a, musical e espiritual compõe “mundos” voluntário­s. As políticas públicas, essas coerções do Estado, não ajudam. Elas regularmen­te destroem os mundos. Outro grande liberal americano, P.J. O’Rourke, já morto, dizia que confiar mais políticas públicas ao Estado é como dar uísque a um garoto de 16 anos. Apesar disso, esquerda e direita estão ansiosas por impulsiona­r, conduzir e gerar.

É verdade que o Estado moderno, com sua parcela maciça do PIB arrecadado por impostos e seu controle regulatóri­o sobre boa parte do restante, possui, sim, o poder de impulsiona­r a economia aqui ou ali.

No século 19, minha cidade, Chicago, tinha políticas públicas estúpidas e era fantastica­mente corrupta, mas também crescia em ritmo fantástico e era extremamen­te próspera. Como explicar? Era porque o Estado, mesmo sendo estúpido e corrupto de alto a baixo, era pequeno pelos padrões modernos. Assim, a burrice e a corrupção não tinham grande importânci­a.

Não é o caso da Chicago moderna, da São Paulo moderna ou da Petrobras. Tomem cuidado, meus queridos brasileiro­s.

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