Folha de S.Paulo

Vereadoras trans ameaçadas têm pouca segurança e pressão por ‘deixa disso’

Apenas uma parlamenta­r tem escolta permanente; Câmaras citam de carro blindado a guarda privada

- Artur Rodrigues e José Matheus Santos

As Câmaras municipais com vereadoras trans que sofreram ataques ou ameaças afirmam que providenci­aram ações de segurança ou buscam implementá-las.

A Folha vem mostrando em uma série de reportagen­s o cotidiano de ataques, ameaças e boicotes vivenciado pelas parlamenta­res trans do país, além da articulaçã­o por candidatur­as ao Congresso nas eleições de outubro.

Para a reportagem, foram ouvidas 24 delas —17 relataram situações de transfobia, e 11 citaram ameaças.

As Casas legislativ­as ouvidas citaram iniciativa­s de segurança e suporte, mas em alguns casos não passam de medidas tímidas. Apenas uma das parlamenta­res, por exemplo, conta com escolta permanente.

Especialis­ta ouvida pela Folha citou haver uma cultura do “deixa disso” dentro das Casas legislativ­as.

Um dos casos mais graves, o da vereadora Benny Briolly (PSOL), incluiu uma ameaça de morte contendo o endereço dela —a mensagem enviada dizia que, se ela não renunciass­e ao mandato, seria morta com uma pistola 9 mm. Ela chegou a deixar o país.

À reportagem a parlamenta­r disse que o único suporte que teve foi um carro blindado, cedido pelo partido. Além disso, ela sofre ataques na internet e foi alvo de falas transfóbic­as dentro da própria Câmara Municipal de Niterói.

Questionad­a, a Casa afirmou que “está trabalhand­o junto às autoridade­s de forma a manter a segurança da vereadora”.

“Uma das medidas tomadas pela presidênci­a do Legislativ­o municipal foi dar entrada em uma solicitaçã­o de escolta junto à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou a Câmara, em nota.

Vereadora mais votada da história de Belo Horizonte, Duda Salabert (PDT) afirmou à Folha que um colega parlamenta­r não reconhece a sua identidade de gênero, chamando-a pelo nome masculino.

Procurada, a Câmara de Belo Horizonte disse que conta com uma Corregedor­ia para apurar eventuais desvios de conduta ou quebra de decoro parlamenta­r, mas que não foi acionada pela vereadora.

Duda recebeu três ameaças de morte, uma delas prometendo matar crianças da escola onde a vereadora dava aula. No entanto, ela não tem qualquer segurança extra.

Para a cientista política Priscila Lapa, as Casas legislativ­as têm uma cultura de minimizaçã­o das violências contra parlamenta­res trans. “As mesas diretoras atuam muitas vezes numa linha de minimizar a violência, inclusive transferin­do para a parte ofendida e alegando uma equidade que não se concretiza”, diz.

“Ainda predomina uma lógica muito corporativ­ista e do ‘deixa disso’ nos espaços de poder, o que é um benefício a quem tem mais força”, afirma.

No Legislativ­o, segundo a cientista política, existe uma percepção de inclusão um pouco maior, porque ali é onde pode haver um discurso que se contraponh­a ao status quo. “Mas ainda é um espaço de adversidad­es para quem representa uma minoria”, afirma.

Entre as vereadoras entrevista­das pela Folha, apenas Erika Hilton (PSOL), de São Paulo, conta com uma escolta fora do local de trabalho. Desde o ano passado, quando recebeu ameaças, ela é acompanhad­a por dois guardas-civis metropolit­anos.

Outras Casas afirmaram que não dispõem desse tipo de estrutura ou que não houve solicitaçã­o formal para que isso acontecess­e, mas que outras medidas foram tomadas.

Filipa Brunelli (PT), vereadora de Araraquara, foi alvo de ataques e ameaça logo quando assumiu, em 2021. A mensagem mandava que ela comprasse um caixão. Ela disse à

Folha que, na época do episódio, o presidente da Casa, Aluisio Boi (MDB), chegou a acompanhá-la em agendas externas.

No entanto, hoje ela relata ter medo em seus deslocamen­tos, feitos com carros de aplicativo, uma vez que os vereadores não têm veículos para deslocamen­tos fora do horário de trabalho.

Aluisio Boi afirmou à Folha que, caso surjam novas ameaças, “envidaremo­s todos os esforços ao nosso alcance para dar a segurança necessária ao direito de a vereadora defender suas opiniões no Parlamento de Araraquara” e que foram tomadas medidas de segurança na ocasião da ameaça, incluindo a comunicaçã­o ao Poder Judiciário.

Gilvan Masferrer (DC), vereadora de Uberlândia (MG), também relatou ameaças.

A Câmara Municipal da cidade informou que, na ocasião, as pessoas citadas como autoras das mensagens tiveram a entrada no prédio proibida. A Casa legislativ­a ainda afirmou que o local tem segurança terceiriza­da em sua sede e que os vereadores não dispõem de qualquer escolta —o que não foi solicitado.

Entre as respostas dadas à

Folha, algumas Casas legislativ­as ficam mais no campo da retórica de apoio do que em medidas concretas.

No caso da vereadora Isabelly Carvalho (PT), de Limeira (SP), por exemplo, foi alvo de ataque e ameaça ao propor uma lei para criação do dia Marielle Franco, em fevereiro. Em nota publicada na época dos fatos e reenviada à reportagem, o presidente da Câmara de Limeira, Sidney Pascotto (PSC), prestou solidaried­ade à vereadora e rechaçou os ataques.

“Neste momento, como presidente da Câmara Municipal, e em nome da instituiçã­o, cumpre-nos solidariza­r com a vereadora Isabelly, prestando nosso incondicio­nal e irrestrito apoio, pois não podemos ser complacent­es com quem pratica, sob qualquer modo, atos, gestos ou manifestaç­ões de caráter ofensivo e preconceit­uoso”, diz a nota.

O comunicado ainda se dirige à vereadora dizendo “não esmoreça, continue na luta e conte conosco”, mas não informa medidas concretas sobre o caso.

Com a saúde mental afetada pelo ambiente de preconceit­os e ataques na política, a vereadora Regininha (PT), de Rio Grande (RS), disse que passou a ter crises de ansiedade e procurou apoio psicológic­o.

A Câmara Municipal de Rio Grande afirmou, em nota, que “não possui, neste momento, ações pontuais para evitar casos de transfobia contra cada um de seus membros”.

Neste caso, a presidênci­a da Casa se disse disponível para implementa­r ações nesse sentido e que já abriu diálogo com Regininha “para, no menor tempo possível, implementa­r estas ações de orientação e conscienti­zação”.

Também alvo de ataques e ameaças, a deputada Erica Malunguinh­o (PSOL), única parlamenta­r estadual trans do país, disse à Folha que a Assembleia Legislativ­a de SP se colocou à disposição para apoiá-la.

A Casa conta com maior segurança que a maioria das câmaras, uma vez que a própria Polícia Militar é responsáve­l. Além disso, em casos de ameaças, há a possibilid­ade de medidas como aluguel de carro blindados, entre outros, em caso de solicitaçã­o.

 ?? ?? vereadora de Bariri (SP) Myrella Soares (DEM)
vereadora de Bariri (SP) Myrella Soares (DEM)
 ?? ?? vereadora de Batatais (SP) Anabella Pavão (PSOL)
vereadora de Batatais (SP) Anabella Pavão (PSOL)
 ?? ?? vereadora de
Rio Novo do Sul (ES) Lari Camponesa (Republican­os)
vereadora de Rio Novo do Sul (ES) Lari Camponesa (Republican­os)
 ?? ?? Yasmin Prestes (MDB) vereadora de Entre-Ijuís (RS)
Yasmin Prestes (MDB) vereadora de Entre-Ijuís (RS)
 ?? ?? vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT)
vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT)
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vereadora de Araçatuba (SP) Regininha Lourenço (Avante)
 ?? ?? vereadora de Piraju (SP) Fernanda Carrara (DEM)
vereadora de Piraju (SP) Fernanda Carrara (DEM)
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Bom Repouso (MG) Paulette Blue (PSDB)
vereadora de Bom Repouso (MG) Paulette Blue (PSDB)
 ?? ?? vereadora de Uberlândia (MG) Gilvan Masferrer (DC)
vereadora de Uberlândia (MG) Gilvan Masferrer (DC)
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deputada estadual de São Paulo Erica Malunguinh­o (PSOL)
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Carnaúba do Dantas (RN) Thabata Pimenta (Pros)
vereadora de Carnaúba do Dantas (RN) Thabata Pimenta (Pros)
 ?? ?? Erika Hilton (PSOL) vereadora de São Paulo
Erika Hilton (PSOL) vereadora de São Paulo
 ?? ?? Lorim da Valéria (PDT) vereadora de Pontal (SP)
Lorim da Valéria (PDT) vereadora de Pontal (SP)
 ?? ?? vereadora de Natividade (RJ) Kará (PDT)
vereadora de Natividade (RJ) Kará (PDT)
 ?? ?? vereadora de Lapa (PR) Professora Brenda (PV)
vereadora de Lapa (PR) Professora Brenda (PV)
 ?? ?? vereadora de Niterói (RJ) Benny Briolly (PSOL)
vereadora de Niterói (RJ) Benny Briolly (PSOL)
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São Joaquim da Barra (SP)
Tieta Melo (MDB) vereadora de São Joaquim da Barra (SP)
 ?? ?? vereadora de Araraquara (SP) Filipa Brunelli (PT)
vereadora de Araraquara (SP) Filipa Brunelli (PT)
 ?? ?? vereadora de Limeira (SP) Isabelly Carvalho (PT)
vereadora de Limeira (SP) Isabelly Carvalho (PT)
 ?? ?? vereadora de Aracaju Linda Brasil (PSOL)
vereadora de Aracaju Linda Brasil (PSOL)
 ?? ?? Titia Chiba (PSB) vereadora de Pompeu (MG)
Titia Chiba (PSB) vereadora de Pompeu (MG)
 ?? ?? Lins Robalo (PT) vereadora de São Borja (RS)
Lins Robalo (PT) vereadora de São Borja (RS)
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vereadora de Rio Grande (RS) Regininha (PT)

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