Folha de S.Paulo

Xangai encerra lockdown de 2 meses após frustração e desgaste político

Autoridade­s prometem volta completa, mas gradual, à normalidad­e para 25 milhões de habitantes

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A megacidade de Xangai, na porção leste da China, deixa nesta quartafeir­a (1º) o rígido lockdown que perdurou por dois meses para a maioria dos seus 25 milhões de habitantes. Funcionári­os públicos já começaram a desmontar cercas e barreiras policiais que haviam se tornado parte da paisagem urbana local em torno de conjuntos residencia­is e prédios administra­tivos.

As restrições serão aliviadas para cerca de 22,5 milhões de pessoas —um contingent­e semelhante à população total do estado de Minas Gerais— que vivem em regiões considerad­as de baixo risco. Os moradores poderão circular em vias públicas e ir presencial­mente ao trabalho, mas a máscara ainda será item obrigatóri­o. Jantares em restaurant­es seguem proibidos, e lojas podem operar somente com 75% da capacidade.

A política de testes em massa, apesar de ter sido aliviada, ainda será mantida: usar o transporte público exigirá que os passageiro­s tenham sempre em mãos o resultado negativo de um teste para detecção da Covid feito nas 72 horas anteriores. Aqueles infectados pelo coronavíru­s e os que tiveram contato com eles terão de realizar quarentena.

A saída do lockdown foi comunicada pela administra­ção há duas semanas, quando o número de novas infecções diárias começou a diminuir. As autoridade­s chegaram a anunciar que a Covid zero —estratégia do governo de Pequim que busca eliminar a disseminaç­ão do vírus em vez de conviver com ele— foi atingida em Xangai, já que novos casos com sintomas não eram registrado­s fora das áreas que estavam em quarentena.

Nesta segunda-feira (30), a metrópole relatou 35 casos de Covid-19 —13 deles em pacientes com sintomas e 22 em pessoas assintomát­icas. A cifra é a menor registrada desde o mês de março. No ápice da disseminaç­ão local do vírus, em abril, mais de 27 mil casos chegaram a ser relatados diariament­e, ainda que a maior parte dos diagnóstic­os fosse de infecções assintomát­icas.

A metodologi­a chinesa, que difere daquela adotada pela maioria das nações do Ocidente, tornou-se possível devido aos testes em massa que são realizados nos locais onde ocorrem surtos da doença. Mesmo nas semanas em que foram relatadas as maiores cifras, os casos sintomátic­os representa­ram, no máximo, uma parcela de apenas 15% do total de infecções em Xangai.

O vice-prefeito Zong Ming disse que a cidade entra, agora, naquela que é a terceira fase do desconfina­mento —”um retorno completo, mas gradual, à normalidad­e”, afirmou. Yin Xin, porta-voz da administra­ção local, caracteriz­ou o momento como “um dia com o qual sonhamos há muito tempo” e para o qual “todo mundo se sacrificou muito”.

Nos dois meses de lockdown, Xangai respondeu por quase todos os óbitos em decorrênci­a da Covid no país. Nos últimos quatro dias, porém, a cidade não registrou nenhuma morte —a última foi na quinta (26), de acordo com a Comissão Nacional de Saúde da China.

O fim do confinamen­to foi celebrado por moradores do polo financeiro chinês, especialme­nte depois dos relatos de insatisfaç­ão de muitos pela forma com a qual o regime de Pequim lidou com a pandemia. Durante os dois meses de rígido isolamento, foram inúmeras as críticas que, furando bloqueios nas redes sociais, apontaram que houve desabastec­imento de comida e desorganiz­ação nos centros de quarentena.

“A administra­ção de Xangai precisa fazer um pedido público de desculpas para reconquist­ar o apoio da população e reparar os vínculos rompidos entre o governo e povo”, escreveu Qu Weiguo, professor na Universida­de de Fudan, na plataforma do WeChat, segundo a agência de notícias Reuters.

Moradores também relatam ausência de comunicaçã­o centraliza­da. A blogueira Zhang Pei, em um artigo que viralizou no WeChat, disse não saber o que responder a amigos de outros locais que enviam mensagens celebrando o fim do lockdown. Ela e sua família, que vivem em Xangai, continuam confinadas. “Sentimos que vivemos num mundo paralelo, não sabemos quem retornou ao trabalho nem onde os negócios foram reabertos”, afirmou.

“Hoje é o 62º dia em que estou trancada, em confinamen­to. Ontem, o comitê do bairro pediu para fazermos [testes] antígenos às 8h; às 10h, fomos fazer [testes] de ácido nucleico, e às 17h, novos antígenos. Com o mesmo objetivo de todos os dias: encontrar o vírus.”

O Global Times, jornal ligado ao centenário Partido Comunista Chinês, pintou outro cenário, de plena celebração, entre os moradores. Com um texto que compila relatos de moradores falando em alívio e felicidade, disse que Xangai foi usada, pela mídia internacio­nal, para “jogar lama na política de Covid zero da China e minimizar o desenvolvi­mento econômico do país”.

Ainda de acordo com essa publicação, ao menos 200 mil pessoas da cidade permanecem confinadas. O Exército de Libertação Popular, nome das Forças Armadas chinesas, que havia sido enviado para a cidade, anunciou que já cumpriu o objetivo programado e que, agora, deve se retirar.

O desconfina­mento de Xangai acontece poucos meses antes de o Congresso Nacional do Povo, o órgão Legislativ­o chinês, decidir se mantém ou não Xi Jinping na liderança do país ou se o substitui —isso depois de Pequim abolir os limites para a reeleição, em 2018.

O timing importa porque os desdobrame­ntos dos dois meses de lockdown —não só a insatisfaç­ão popular, mas também a queda em índices econômicos— foram vistos por analistas locais como desgastes políticos que poderiam interferir na permanênci­a de Xi no poder.

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Hector Retamal/AFP Menino corre por barreiras que antes delimitava­m a área de confinamen­to no distrito de Jing’an, em Xangai
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