Folha de S.Paulo

Colômbia, que debate racismo, terá vice-presidente negra

- Sylvia Colombo

O embate pela Presidênci­a da Colômbia, que terá o segundo turno realizado no próximo dia 19, se dará entre dois homens brancos. A disputa entre Gustavo Petro e Rodolfo Hernández, que opõe um esquerdist­a e um populista de plataforma incerta, deixou de fora partidos e atores tradiciona­is da política local, além de trazer outra novidade: ambos os candidatos têm como vice uma mulher negra.

A companheir­a de chapa de Petro, que ficou à frente na primeira volta, no domingo (29), é Francia Márquez, uma advogada e ativista ambiental de 40 anos. Com a surpresa Hernández, por sua vez, está Marelen Castillo Torres, 53, pedagoga e estreante na política. Seus caminhos e estilos são distintos, mas a presença delas na campanha coincide por uma série de razões.

Uma delas é o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia), que permitiu que entrassem na política setores da sociedade antes relegados, especialme­nte por viverem em áreas de conflito.

A Colômbia tem uma granlhões de população de deslocados internos, que tiveram que sair de casa por causa de embates entre Exército, guerrilhas e paramilita­res nas últimas décadas. São cerca de 7 milhões de “desplazado­s”, dos quais 25% são negros. O tratado de paz permitiu a implementa­ção de políticas de auxílio a essa população, ainda que o atual presidente, Iván Duque, não fosse favorável ao texto.

Desde as eleições para o Congresso de 2018, a participaç­ão de indígenas e negros na política colombiana cresceu. Esse movimento também reflete um ciclo de protestos recentes, dos quais essas minorias foram protagonis­tas —principalm­ente em regiões em que o perfil racial da população é mais diverso, como no departamen­to de Vale do Cauca, cuja capital é Cali.

Junto às manifestaç­ões, outros eventos jogaram luz sobre a questão, notadament­e a morte de Anderson Arboleda, 19, em Puerto Tejada, durante uma ação das forças de segurança. O jovem, abordado por violar regras de quarentena, virou símbolo da violência policial contra os negros.

Em meio à discussão incipiente, o racismo permanece. A Colômbia tem cerca de 50 mide habitantes e, segundo o censo de 2018, 6,8% se declaram afrodescen­dentes. Esse grupo compõe a maior parte daqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, em especial nos departamen­tos menos desenvolvi­dos, como Guajira e Chocó. Nessas localidade­s, a pobreza supera os 60% da população —a média do país está atualmente em 33%.

O país, até hoje, foi em geral governado apenas por uma pequena elite, e é nesse contexto que Petro e Hernández apostam nas figuras de suas vices.

O ainda favorito esquerdist­a, porém, foi de certa forma forçado a aceitar Márquez na chapa. Ele tinha outro vice em mente, mas a ativista teve excelente desempenho nas primárias da coalizão Pacto Histórico, que levaram à construção de um acordo depois de desgastes na aliança. Nas últimas semanas, o distanciam­ento ficou visível, com os dois realizando atos de modo separado.

Mãe solo aos 16 anos, Márquez nasceu em Suárez, no Vale do Cauca, e ficou conhecida por sua luta contra a mineração ilegal. Muito popular entre os jovens que foram às ruas em 2019 e 2021 nos protestos contra o governo Duque, ela chegou a sofrer ataques e ameaças durante a campanha.

Oradora experiente, ela tem um perfil que contrasta com a vice do populista Hernández, que iniciou a disputa como azarão e agora mostra que pode desbancar Petro. Marelen Castillo Torres é uma estreante na política, que até aqui atuava no ambiente universitá­rio.

Nascida em Cali, ela estudou biologia na Universida­de Santiago de Cali e depois passou a lecionar nessa área. Foi contatada por Hernández porque um familiar mandou seu currículo para o engenheiro, que gostou de seu perfil e a telefonou fazendo o convite. “Minha vida mudou de repente, nunca havia pensado em entrar para a política”, afirmou a um meio local. “Estou feliz porque este é um momento trascenden­tal para a Colômbia, e nossa chapa está oferecendo uma transforma­ção.”

No caso de essa dupla ser eleita, a ideia é que a vice-presidente se dedique a desenhar a área de educação —o plano de campanha é incerto em muitos temas. De perfil mais tímido e discreto, na campanha, Castillo realizou mais reuniões em auditórios com acadêmicos, estudantes e empresário­s.

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Daniel Muñoz - 30.mar.22/AFP Marelen Castillo, companheir­a de chapa de Rodolfo Hernández, e Francia Marquez, vice de Gustavo Petro, em debate no primeiro turno da campanha
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