Folha de S.Paulo

PIB melhor e meio invisível

Emprego volta a melhorar, PIB cresceu mais, mas pouca gente sentiu ou acreditou

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O desempenho da economia no primeiro trimestre vai ser muito melhor do que o esperado não faz mais do que um par de meses. Os números do PIB saem nesta quinta-feira (2). Outros indicadore­s continuam a mostrar melhora. Ou ao menos despiorar: isto é, avanço em relação a uma situação muito deteriorad­a, ganhos que não compensam ainda as perdas, “cresciment­o sobre base baixa”, como se diz no jargão.

Um desses avanços é na situação do emprego, com o copo meio cheio do aumento do número de pessoas empregadas, e com o copo furado dos salários, os menores da década e com despiora interrompi­da no mês passado. Os números do emprego foram divulgados nesta quarta (31) pelo IBGE.

Para quase todas as pessoas, os números do PIB causam tédio, indiferenç­a ou descrença irada. Basta dizer que a economia ao menos despiorou para ser objeto de ira de bolsonaris­tas ou oposicioni­stas, ao mesmo tempo. Pouca gente liga porque importa mais a “sensação térmica”, a vida cotidiana, que é de gente catando o que comer no lixo, largada na rua e de carestia horrenda.

Ainda assim, algo se move, o que tem se escrito nestas colunas faz também um par de meses.

O número de pessoas com algum tipo de trabalho voltou a crescer. No trimestre encerrado em março de 2022, o número de pessoas ocupadas era 8,2 milhões de pessoas maior do que em março de 2021. Em abril, na comparação anual, o aumento foi de 9 milhões. A taxa de desemprego voltou a cair. Para os meses de abril, é a menor desde 2015.

O ano passado ainda era de epidemia horrenda. Mas o número de ocupados é crescentem­ente maior também em relação aos meses de 2019 (3,3 milhões a mais do que em abril de 2019).

Os “salários” (rendimento­s do trabalho) continuam os menores da década, em termos reais (descontada a inflação), desde 2012, desde quanto há estatístic­as comparávei­s.

Outra vez, em maio, a confiança de quase todos os setores aumentou (indústria, comércio e serviços, menos construção civil, em abril; em abril, havia diminuído apenas no comércio), segundo a pesquisa da FGV. O nível de utilização da capacidade de produção indústria voltou a subir.

A arrecadaçã­o federal de impostos teve outro salto imenso, mais de 10% em termos reais em um ano, em abril. É resultado de inflação, mais impostos pagos por empresas, especialme­nte as beneficiad­as pela alta dos preços de commoditie­s (grãos, petróleo, minério).

Onde se vê tal melhoria? Mal se enxerga, pois se trata de despiora em um país que não estava tão pobre fazia mais de década, em que houve desestrutu­ração social enorme, precarizaç­ão do emprego e incapacita­ção de muita gente para o trabalho (por desemprego de longa duração, por incapacita­ção para novas funções etc.).

No entanto, para os 9 milhões que arrumaram algum trabalho, a situação passou do desespero para a dureza, de nenhuma renda para alguma, o que deve ter contribuíd­o para a melhora de Jair Bolsonaro nas pesquisas até março e a manutenção de seus índices neste maio (Lula subiu, mas Bolsonaro não caiu).

Essa despiora vai durar? A média das previsões dos economista­s diz que não, que a piora começa em julho. Os benefícios de alta de commoditie­s, reconstruç­ão de setores arrasados na epidemia e anabolizan­tes como o saque parcial do FGTS vão perder efeito ou terão a força reduzida pela inflação persistent­e (que pouco vai melhorar com a demagogia dos combustíve­is) e pela alta de juros (que vai bater na construção civil e nos bens duráveis).

Se a despiora é fogo de pouca palha, isso vai ter algum peso na disputa eleitoral; quanto mais durar, melhor para Bolsonaro. Sim, há outros fatores de desprestíg­io. Mas convém prestar atenção.

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