Citada como bom exemplo, Fortaleza desafia trânsito e transporte lotado
Cidade está no grupo de ponta do Índice Folha de Mobilidade Urbana e aposta em receita elogiada
fortaleza A capital cearense tem seguido à risca a receita para diminuir a dependência e o impacto dos carros no dia a dia da população. Tem corredor de ônibus moderno, bilhete único com integração, ciclovias perto da maioria dos moradores, diminuição de velocidade máxima em grandes vias e criação de infraestrutura para que o pedestre se sinta mais seguro. Não por acaso, a cidade de 2,7 milhões de habitantes é citada por aqueles que estudam e conhecem o tema como um bom exemplo.
No Índice Folha de Mobilidade Urbana, com todas as ressalvas decorrentes da falta de dados no país, Fortaleza desponta em um grupo de sete capitais com alguma perspectiva de alcançar a mobilidade sustentável em prazo razoável. São aquelas que estão mais próximas de tornar os deslocamentos de seus habitantes eficientes, seguros, com menos impacto ambiental.
Mas por que, apesar do prognóstico positivo, quem visita a capital cearense ainda encontra cenas comuns às grandes cidades, especialmente nos horários de pico?
Congestionamentos, batalhões de motocicletas, ônibus lotados estão presentes e dão a dimensão do desafio que é tornar a mobilidade sustentável, mesmo que parte das melhores práticas já esteja nas ruas.
“Essas cidades, como Fortaleza, São Paulo, Rio, são muito grandes. Então os problemas tendem a ser grandes também. E as soluções são caras. Difícil ter dinheiro para resolver”, diz Mário Angelo Nunes de Azevedo Filho, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará.
Para o docente, além de persistir nos avanços, tudo passa por trabalhar um desenvolvimento equilibrado, dica para municípios em expansão. “Com um conjunto maior de cidades médias e pequenas, você vai ter problemas menores. Melhora a qualidade de vida, depende menos do transporte motorizado, da tecnologia dos sistemas mais caros.”
A rodovia BR-116, que atravessa o país, tem cerca de 10 km de trecho urbano na capital. Vira uma grande avenida congestionada nos picos da manhã e da tarde. É carro demais, mesmo a cidade tendo 65% dos deslocamentos feitos em modo ativo (caminhada ou bicicleta) ou pelo transporte público.
Na BR-116, pedestres também se aventuram a atravessar de um lado a outro, em pontos distantes das escassas passarelas. É um grande funil da mobilidade, ainda sob responsabilidade da União e sobre o qual há tratativas e planos para que a prefeitura assuma o controle.
No transporte coletivo, apesar de avenidas como Bezerra de Menezes e Aguanambi terem recebido BRTs (corredores expressos de ônibus, com possibilidade de ultrapassagem entre coletivos e estações de embarque), acolhendo da bicicleta ao pedestre, ainda há lugares onde o cidadão passa apertado.
Em terminais como Messejana, Siqueira e, principalmente Parangaba, passageiros se espremem no horário de pico. “Em vez de aumentar a frota de ônibus, eles reduziram”, afirmou o gerente comercial Ezequiel Martins, 43.
A prefeitura nega que tenha havido redução no pico, embora admita que, diante da demanda 40% menor que no pré-pandemia, foi cortada parte dos coletivos nos horários menos movimentados.
Nas cidades grandes, problemas se espraiam. Em Fortaleza, 47% dos mortos no trânsito são motociclistas, apesar da redução de 13% no número de óbitos entre esse tipo de condutor nos últimos dois anos. Mesmo sendo um vetor de violência, as motocicletas ganham mais adeptos a cada dia.
Mas é sobre outro tipo de duas rodas que a capital cearense se destaca. Cerca de 5% das viagens são feitas com bicicletas e, muitas delas, por longas distâncias.
O pedreiro Luiz de Souza, 20, sai uma vez por semana da praça do Ferreira, no centro, e pedala por 13 km até o terminal Messejana numa bike alugada —bilhete único dá direito à primeira hora gratuita. “É bom para distrair a mente e mais rápido que o ônibus.”
Nos últimos oito anos, a estrutura cicloviária passou de 65 km para 410 km. Segundo dados do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, cerca de 51% da população vive a menos de 300 metros de uma ciclovia —a segunda colocada, Vitória (ES), tem 33%, e São Paulo, 21%.
“Na série histórica [iniciada em 2018], Fortaleza já começou como a primeira, então com 35%”, diz Felipe Alves, exdiretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza. “O ideal seria algo muito mais próximo dos 100% do que dos 50%, mas a gente vê que a diferença para as outras é grande.” Na capital, o dinheiro arrecadado com zona azul financia projetos cicloviários.
Embora sejam bem distribuídas, a reportagem encontrou na periferia ciclovias que precisam de requalificação.
No bairro Jangurussu, uma estrutura antiga está praticamente abandonada em meio a mato e entulho na anacrônica avenida Presidente Costa e Silva, onde barulho de motor e sinalização precária para pedestres levam ao passado.
É tão insegura que ciclistas preferem pedalar nas bordas da via, onde veículos passam em alta velocidade. “Toda esburacada, cheia de mato e lixo. Precisa deixar bonitinha”, diz o carpinteiro Reginaldo Sampaio Ferreira Santos, 49.
É para tirar de cena vias como essa, requalificando-as, que Antonio Ferreira Silva trabalha desde 1984 no serviço público municipal. Engenheiro civil pós-graduado em mobilidade, o funcionário de carreira que hoje comanda a AMC (Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania) tenta pôr em prática os planos que defende há décadas.
O superintendente da AMC diz ter ganhado apoio nos últimos anos para implementar um trânsito um pouco mais tranquilo. “A gente viu que foi se tornando realidade.”
Ferreira tem fala cadenciada, professoral, sem apertar o passo. É assim que discorre sobre as vias cuja velocidade máxima foi reduzida de 60 km/h para 50 km/h. “Quando passa de 60 km/h para 50 km/h, o pedestre tem dez vezes mais chance de sobreviver [em caso de atropelamento]. E o atraso do tempo de viagem é insignificante.”
Já a lotação do transporte público e os congestionamentos no horário de pico são vistos pelo superintendente como problemas que precisam também de acordo entre toda a sociedade, escalonando horários de entrada e saída do trabalho.
Em Fortaleza, das 17 áreas onde foi implantado o conceito de trânsito calmo, com redução de velocidade e configuração que dá protagonismo ao pedestre, apenas 3 ficam em região turística, o que demonstra a intenção de tornar a mobilidade segura um direito para além dos bairros ricos.