Folha de S.Paulo

Citada como bom exemplo, Fortaleza desafia trânsito e transporte lotado

Cidade está no grupo de ponta do Índice Folha de Mobilidade Urbana e aposta em receita elogiada

- William Cardoso e Rubens Cavallari

fortaleza A capital cearense tem seguido à risca a receita para diminuir a dependênci­a e o impacto dos carros no dia a dia da população. Tem corredor de ônibus moderno, bilhete único com integração, ciclovias perto da maioria dos moradores, diminuição de velocidade máxima em grandes vias e criação de infraestru­tura para que o pedestre se sinta mais seguro. Não por acaso, a cidade de 2,7 milhões de habitantes é citada por aqueles que estudam e conhecem o tema como um bom exemplo.

No Índice Folha de Mobilidade Urbana, com todas as ressalvas decorrente­s da falta de dados no país, Fortaleza desponta em um grupo de sete capitais com alguma perspectiv­a de alcançar a mobilidade sustentáve­l em prazo razoável. São aquelas que estão mais próximas de tornar os deslocamen­tos de seus habitantes eficientes, seguros, com menos impacto ambiental.

Mas por que, apesar do prognóstic­o positivo, quem visita a capital cearense ainda encontra cenas comuns às grandes cidades, especialme­nte nos horários de pico?

Congestion­amentos, batalhões de motociclet­as, ônibus lotados estão presentes e dão a dimensão do desafio que é tornar a mobilidade sustentáve­l, mesmo que parte das melhores práticas já esteja nas ruas.

“Essas cidades, como Fortaleza, São Paulo, Rio, são muito grandes. Então os problemas tendem a ser grandes também. E as soluções são caras. Difícil ter dinheiro para resolver”, diz Mário Angelo Nunes de Azevedo Filho, professor do Departamen­to de Engenharia de Transporte­s da Universida­de Federal do Ceará.

Para o docente, além de persistir nos avanços, tudo passa por trabalhar um desenvolvi­mento equilibrad­o, dica para municípios em expansão. “Com um conjunto maior de cidades médias e pequenas, você vai ter problemas menores. Melhora a qualidade de vida, depende menos do transporte motorizado, da tecnologia dos sistemas mais caros.”

A rodovia BR-116, que atravessa o país, tem cerca de 10 km de trecho urbano na capital. Vira uma grande avenida congestion­ada nos picos da manhã e da tarde. É carro demais, mesmo a cidade tendo 65% dos deslocamen­tos feitos em modo ativo (caminhada ou bicicleta) ou pelo transporte público.

Na BR-116, pedestres também se aventuram a atravessar de um lado a outro, em pontos distantes das escassas passarelas. É um grande funil da mobilidade, ainda sob responsabi­lidade da União e sobre o qual há tratativas e planos para que a prefeitura assuma o controle.

No transporte coletivo, apesar de avenidas como Bezerra de Menezes e Aguanambi terem recebido BRTs (corredores expressos de ônibus, com possibilid­ade de ultrapassa­gem entre coletivos e estações de embarque), acolhendo da bicicleta ao pedestre, ainda há lugares onde o cidadão passa apertado.

Em terminais como Messejana, Siqueira e, principalm­ente Parangaba, passageiro­s se espremem no horário de pico. “Em vez de aumentar a frota de ônibus, eles reduziram”, afirmou o gerente comercial Ezequiel Martins, 43.

A prefeitura nega que tenha havido redução no pico, embora admita que, diante da demanda 40% menor que no pré-pandemia, foi cortada parte dos coletivos nos horários menos movimentad­os.

Nas cidades grandes, problemas se espraiam. Em Fortaleza, 47% dos mortos no trânsito são motociclis­tas, apesar da redução de 13% no número de óbitos entre esse tipo de condutor nos últimos dois anos. Mesmo sendo um vetor de violência, as motociclet­as ganham mais adeptos a cada dia.

Mas é sobre outro tipo de duas rodas que a capital cearense se destaca. Cerca de 5% das viagens são feitas com bicicletas e, muitas delas, por longas distâncias.

O pedreiro Luiz de Souza, 20, sai uma vez por semana da praça do Ferreira, no centro, e pedala por 13 km até o terminal Messejana numa bike alugada —bilhete único dá direito à primeira hora gratuita. “É bom para distrair a mente e mais rápido que o ônibus.”

Nos últimos oito anos, a estrutura cicloviári­a passou de 65 km para 410 km. Segundo dados do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvi­mento, cerca de 51% da população vive a menos de 300 metros de uma ciclovia —a segunda colocada, Vitória (ES), tem 33%, e São Paulo, 21%.

“Na série histórica [iniciada em 2018], Fortaleza já começou como a primeira, então com 35%”, diz Felipe Alves, exdiretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza. “O ideal seria algo muito mais próximo dos 100% do que dos 50%, mas a gente vê que a diferença para as outras é grande.” Na capital, o dinheiro arrecadado com zona azul financia projetos cicloviári­os.

Embora sejam bem distribuíd­as, a reportagem encontrou na periferia ciclovias que precisam de requalific­ação.

No bairro Jangurussu, uma estrutura antiga está praticamen­te abandonada em meio a mato e entulho na anacrônica avenida Presidente Costa e Silva, onde barulho de motor e sinalizaçã­o precária para pedestres levam ao passado.

É tão insegura que ciclistas preferem pedalar nas bordas da via, onde veículos passam em alta velocidade. “Toda esburacada, cheia de mato e lixo. Precisa deixar bonitinha”, diz o carpinteir­o Reginaldo Sampaio Ferreira Santos, 49.

É para tirar de cena vias como essa, requalific­ando-as, que Antonio Ferreira Silva trabalha desde 1984 no serviço público municipal. Engenheiro civil pós-graduado em mobilidade, o funcionári­o de carreira que hoje comanda a AMC (Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania) tenta pôr em prática os planos que defende há décadas.

O superinten­dente da AMC diz ter ganhado apoio nos últimos anos para implementa­r um trânsito um pouco mais tranquilo. “A gente viu que foi se tornando realidade.”

Ferreira tem fala cadenciada, professora­l, sem apertar o passo. É assim que discorre sobre as vias cuja velocidade máxima foi reduzida de 60 km/h para 50 km/h. “Quando passa de 60 km/h para 50 km/h, o pedestre tem dez vezes mais chance de sobreviver [em caso de atropelame­nto]. E o atraso do tempo de viagem é insignific­ante.”

Já a lotação do transporte público e os congestion­amentos no horário de pico são vistos pelo superinten­dente como problemas que precisam também de acordo entre toda a sociedade, escalonand­o horários de entrada e saída do trabalho.

Em Fortaleza, das 17 áreas onde foi implantado o conceito de trânsito calmo, com redução de velocidade e configuraç­ão que dá protagonis­mo ao pedestre, apenas 3 ficam em região turística, o que demonstra a intenção de tornar a mobilidade segura um direito para além dos bairros ricos.

 ?? Fotos Rubens Cavallari/Folhapress ?? Ciclovia na orla da praia de Iracema, na capital cearense; estrutura cicloviári­a no município passou de 65 km para 410 km nos últimos anos
Fotos Rubens Cavallari/Folhapress Ciclovia na orla da praia de Iracema, na capital cearense; estrutura cicloviári­a no município passou de 65 km para 410 km nos últimos anos
 ?? ?? Nos horários de pico, passageiro­s enfrentam filas no Terminal Parangaba para embarcar
Nos horários de pico, passageiro­s enfrentam filas no Terminal Parangaba para embarcar

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil