Folha de S.Paulo

Ricky Gervais prefere arriscar ser cancelado a desviar das piadas que cutucam as feridas

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do DNA de tudo que o comediante apresentou ao público. “A ofensa é o dano colateral da liberdade de expressão”, resumiu ele, numa entrevista.

Mesmo assim, Ricky Gervais, aos 60 anos, é um dos comediante­s mais populares do século 21, considerad­o o inventor da nova sitcom, salvando esse tipo de série da extinção.

A que cimentou seu nome como um dos grandes dos nossos tempos estreou em 2001. Era “The Office”, em que interpreta­va um vendedor muito sem graça que sonha em ser uma estrela do rock. A série ganhou uma versão americana com Steve Carell.

Depois veio “Extras”, de 2005 a 2007, que tratava do mundo dos atores de segunda linha, com participaç­ão de estrelas de primeiro escalão.

E a brilhante “After Life”, que estreou em 2019, conta a história de Tony, um jornalista de uma cidade pequena que fica viúvo e se transforma em uma pessoa inconseque­nte. É certamente o personagem que mais se parece com o Gervais real.

Agora ele apresenta, na Netflix, um especial de stand-up que estreou em 2019 e voltou neste ano. É “SuperNatur­e”, ou supernatur­eza. Gervais diz que vai falar sobre sua certeza de que não há nada além desses 80 ou 90 anos que cada pessoa tem para viver. Não há Deus nem alma ou reencarnaç­ão.

De fato, essa é a parte mais inspirada. Mas a comédia stand-up está passando por um momento complicado. Parece que o público não vê mais esse tipo de espetáculo com tanta vontade de se divertir quanto de se ofender.

Ele fala sobre isso, sobre como a cultura “woke” teria botado travas imaginária­s em todo mundo, e o cancelamen­to virou uma coisa corriqueir­a. E de como qualquer frase ou atitude pode ser mal interpreta­da, com direito a grita nas redes sociais, entre outras consequênc­ias graves. E de como parece que as pessoas estão prontas para rir de qualquer coisa, menos delas mesmas.

Aí, ele faz todas as piadas possíveis com os temas que mais deram problema nos últimos tempos. Pedofilia, assédio sexual, obesidade, deficiênci­a, nanismo, Hitler, está tudo em “SuperNatur­e”. Mas não só.

Ele sabe o que vai causar a polêmica e não desvia do tema —piadas com pessoas trans. Gervais revela que apoia o direito das pessoas trans, tema comum em shows de stand-up desde que o americano Dave Chappelle foi acusado de ser transfóbic­o, no ano passado. Mas, assim como Chappelle, Gervais dedica seu repertório ao tema. É muito engraçado de tão evidente que fica o quanto ele não resiste à tentação de ser cancelado.

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