Folha de S.Paulo

Gilsons, trio com filho e netos de Gilberto Gil, cantam utopia do amor e do ‘Lula Lá’

Grupo, que participou do novo clipe de jingle do PT, mescla juventude e tributo familiar em álbum

- Claudio Leal

A banda silencia. Na Concha Acústica do teatro Castro Alves, em Salvador, milhares de jovens substituem as vozes do trio Gilsons em “Várias Queixas”, a música do bloco afro-baiano Olodum transforma­da em hit por José Gil, de 30 anos, Francisco Gil, 27, e João Gil, 31. “Várias queixas de você/ Por que fez isso comigo?/ Estamos junto e misturado/ Meu bem, quero ser seu namorado.”

No Spotify, a canção se aproxima da marca de 60 milhões de reproduçõe­s. Na Concha, uma amostra desse público se revela nas vozes que entoam a maioria das canções de “Pra Gente Acordar”, primeiro álbum do trio, que lançou o EP “Várias Queixas” em 2019.

No camarim, a meia hora de entrarem no palco, os três cariocas estavam agitados com o primeiro show pós-quarentena numa das duas cidades essenciais à sua formação. “Muito do nosso crescer, da nossa convivênci­a e do conhecimen­to da música veio de passar verões e Carnavais em Salvador. José sempre fala da sensação de ver a Timbalada e o Olodum passarem”, disse João. À sua frente, José reforçou que “Rio e Salvador formaram a gente como ser humano”.

José, João e Francisco são, respectiva­mente, filho e netos do compositor Gilberto Gil. O trio nasceu de um show a princípio só de José, no Dumont Arte Bar, no bairro carioca da Gávea, em 2018.

Sem repertório para encarar sozinho o convite, ele convocou seus sobrinhos. Sobrinhos,

mas de idades próximas à sua. No WhatsApp dos Gil, à medida que os vídeos eram compartilh­ados, a cantora Preta Gil, mãe de Francisco, defendia a continuaçã­o do projeto e insistia no batismo “Gilsons”.

A palavra porta o sobrenome do clã e os plurais de som, em português, e filhos, em inglês. Era um achado, mas os rapazes não ficaram convencido­s.

“A gente não gostava de associar o nome Gil a um início de trabalho, sem uma identidade construída. Hoje, a gente já olha com uma identidade construída, que difere de seu Gilberto. Temos tranquilid­ade para falar Gilsons”, disse José, produtor musical do disco. “Tem muita gente que conhece o Gilsons e não associa”, garantiu João.

No álbum “Pra Gente Acordar”, o conjunto de canções envolve amores juvenis, coragem de cair no mundo, evocação idílica em “Voltar à Bahia”, de Francisco e Clara Buarque, e tributo familiar em “Bela”, dedicada por João à sua avó Belina Aguiar, professora de redação e primeira mulher de Gilberto Gil, assim descrita “vento forte/ fortaleza/ das palavras/ traz riqueza/ sua estrela brilha a (me) guiar”.

A faixa-título “Pra Gente Acordar”, observa o letrista Carlos Rennó na apresentaç­ão do disco, espalha “uma mensagem auspiciosa de confiança numa nova manhã e celebrar as coisas principais que suas canções transmitem e que são recorrente­s nos versos, o amor e a luz; as viagens e os encontros; enfim, o mundo —a se conquistar pelo amor, a que se entregar sem medo”.

“A gente tem uma interseção grande na semântica das letras. Todos escrevem sobre amor. E também no lugar rítmico, na questão da música, com os timbres eletrônico­s modernos, os elementos da MPB, o violão de nylon muito presente, os tambores tradiciona­is da Bahia, a percussão afro-baiana”, avaliou José.

A convite do Rock in Rio, os Gilsons vão se apresentar no palco Sunset, em 10 de setembro. No show, os três alternam guitarra, violão e baixo, fazendo pequenas intervençõ­es na percussão. Há um momento em que a sonoridade do bloco Filhos de Gandhy pulsa no agogô trazido por José.

Associando utopias amorosas ao desejo de mudança política no país, o trio decidiu participar do clipe da nova versão de “Lula Lá”, jingle do ex-presidente e pré-candidato do PT à presidênci­a. “A canção ‘Pra Gente Acordar’ nasceu dentro de um contexto político, de olhar um novo amanhã sem medo de ser e de amar. É contra essa crença no ódio, na opressão”, disse Francisco.

“Love Love”, “Proposta” e “O Dia Nasceu” são outros hits emplacados pelos Gilsons em poucotempo­detrajetór­ia.“Se quer saber/ Quero te ver/ Fico a noite inteira pensando em você/ É muito louco esse nosso lance/ Vou te dizer/ Foi ‘di fudê’/ Ficou na minha mente, não dá pra esquecer”, cantam na sexualizad­a “Proposta”.

“Como tem músicas com parcerias, há muito da voz dos próprios parceiros, como é a Julia Mestre, o Léo Mucuri, a Mariá Pinkusfeld e Carlos Rennó. A canetada da música ‘Dês’ é toda do Rennó. O disco tem tudo que é nosso, mas agrega todo esse lance dos parceiros”, reconheceu João.

Composta por Germano Meneghel, Afro Jhow e Narcizinho Santos, “Várias Queixas” esteve no roteiro do primeiro show dos Gilsons. Ao ser regravada, a canção se tornou um fenômeno. “Para mim, já estava tudo ali”, disse João, sobre a gravação original do Olodum, de dez anos atrás.

José acrescento­u que a pulsação do Olodum costuma ser mais tranquila que a da Timbalada, mas, no Carnaval, “Várias Queixas” aparecia numa levada de timbaleiro­s.

“A gente captou uma energia, uma pulsação que se coloca dentro da identidade do Olodum, dos tambores”, completou Francisco. “Essa música virou um lado B de show do Olodum. Era menos conhecida até para quem é do Pelourinho. Ela chegou a ir para o Carnaval, tinha força. Ela veio de um lugar assim de compreende­r a sonoridade da Bahia. Moreno Veloso fez isso com ‘Deusa do Amor’.”

Na turnê do novo álbum, depois de dois anos entre apartament­os e um sítio na serra fluminense, o trio pode olhar de frente os seguidores conquistad­os no mundo virtual. “A pandemia foi acumulando como uma rede de arrasto, de pesca. Foi juntando o público que não podia estar com a gente. Quando abriu a porteira, o pessoal está vindo conhecer”, disse José, a poucos minutos de deixar o camarim com João e Francisco.

Nessa noite, eles iriam se despedir do palco com um samba de cores baianas da carioca Dona Ivone Lara, em mais um elo entre Rio e Salvador, as duas cidades dos sons dos Gil —“alguém me avisou/ pra pisar nesse chão devagarinh­o”.

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Divulgação Da esquerda para a direita, José Gil, João Gil e Francisco Gil, respectiva­mente filho e netos de Gilberto Gil, que formam a banda Gilsons

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