Folha de S.Paulo

Alfabetiza­ção em crise

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Começo agora, com a ainda titubeante desacelera­ção da Covid, a percorrer o país e a conversar com professore­s e gestores escolares, fora das telas que, de certo modo, nos limitavam.

Em suas falas destaca-se a percepção de que há uma clara crise na alfabetiza­ção, claramente capturada pelas avaliações diagnóstic­as de aprendizag­em feitas no retorno das crianças às aulas presenciai­s.

Na busca de soluções para o problema, vale a pena acompanhar o que países com bons sistemas educaciona­is vêm fazendo. Muitos deles, cientes de que alunos em situação de vulnerabil­idade nem sempre permanecem na escola após o término das aulas, adotaram uma estratégia de desenturma­r os alunos algumas vezes por semana para ensiná-los de forma compatível com o nível de aprendizag­em em que se encontram. Algumas redes brasileira­s vêm fazendo o mesmo, no próprio turno em que a criança estuda.

Mas há muito mais a fazer quando se fala de alfabetiza­ção. É bom lembrar que antes da pandemia já tínhamos problemas graves na área. Cerca de 55% das crianças no 3º ano do ensino fundamenta­l saíam não alfabetiza­das desta série de escolarida­de, de acordo com dados da Avaliação Nacional de Alfabetiza­ção de 2016. A Covid só fez agravar esses dados.

Por isso, faz sentido estudar o que cidades brasileira­s que alcançaram bons resultados nos anos iniciais do ensino fundamenta­l vêm fazendo para alfabetiza­r na idade correta e para corrigir as defasagens de aprendizag­em que encontram entre seus alunos.

Nesse sentido, vale a pena ler o texto recente de João Batista de Oliveira sobre o avanço da educação em Teresina (PI), a capital brasileira com o melhor Ideb, a despeito de seu baixo nível socioeconô­mico. É interessan­te que o mesmo autor também se debruçou sobre Sobral (CE), cidade consistent­emente avaliada como a mais bem-sucedida em alfabetiza­ção. Nas duas aparece, segundo ele, a mesma abordagem: boa gestão da aprendizag­em e uma alfabetiza­ção mais de acordo com o que a ciência ensina.

Mas aqui também podemos olhar para fora do país. Há algumas semanas, uma consagrada professora do Teachers College de Columbia, especialis­ta em literacia, Lucy Calkins, resolveu rever sua abordagem em alfabetiza­ção e alertar seus seguidores sobre os limites de sua visão anterior, não pautada pelas evidências mais recentes sobre como as crianças aprendem.

Aparenteme­nte, Teresina e Sobral perceberam isso antes dela. Agora precisamos, com urgência, acompanhar o que as duas cidades fizeram não só para recuperar o que se perdeu com a pandemia, mas para garantir uma alfabetiza­ção que de fato funcione. Chega de negacionis­mo científico!

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