Folha de S.Paulo

STF adia o julgamento de marco temporal para terras indígenas, alvo de pressão de Bolsonaro

- José Marques

Um dos motivos de atritos entre o Judiciário e o presidente Jair Bolsonaro (PL), o julgamento do marco temporal sobre demarcação de terras indígenas foi retirado da pauta do STF (Supremo Tribunal Federal) e não deve mais acontecer neste mês.

A análise do caso estava marcada para o próximo dia 23. Em nota, o Supremo informou que o caso “foi retirado de pauta pela presidênci­a por consenso entre os ministros”. Não há nova data marcada para o julgamento.

O marco temporal começou a ser julgado no ano passado, inicialmen­te na plataforma virtual da corte, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu para que o caso fosse para análise no plenário físico.

Em setembro, o caso voltou à corte. Na ocasião, o relator do processo, Edson Fachin, refutou a tese do marco temporal. Ele disse que uma interpreta­ção restritiva sobre os direitos fundamenta­is dos povos indígenas atenta contra a Constituiç­ão e contra o Estado democrátic­o de Direito.

Kassio Nunes Marques, o segundo a votar, reafirmou o marco temporal, em um posicionam­ento que se alinha aos interesses do Palácio do Planalto. O ministro foi indicado à corte pelo presidente Bolsonaro. Após esse voto, Moraes pediu vista (mais tempo para analisar o caso).

O julgamento tem grande relevância para as demarcaçõe­s de terras indígenas. Entre os pontos debatidos estão o conceito de terra tradiciona­lmente ocupada por indígenas e o marco temporal, tese não prevista na Constituiç­ão e que, na prática, trava demarcaçõe­s.

O presidente Bolsonaro é um dos maiores defensores do marco temporal. Com aval de ruralistas, a medida prevê que terra indígena só poderá ser demarcada caso fique comprovado que já ocupavam a área na época da promulgaçã­o da Constituiç­ão.

O texto, assinado em 1988 por Ulysses Guimarães, também previa que a União concluísse a demarcação de todas as terras indígenas num prazo de até cinco anos, o que não ocorreu.

Ruralistas afirmam que a regra traria segurança jurídica, pois limitaria desapropri­ações. A AGU (Advocacia-geral da União) se manifesta de forma favorável à aprovação do marco temporal.

Em abril, o presidente da República sugeriu que pode não cumprir eventual ordem da corte sobre o tema.

Se ele [Edson Fachin] conseguir vitória nisso [marco temporal], me resta duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativ­a

Jair Bolsonaro presidente

“Se ele [Edson Fachin] conseguir vitória nisso [marco temporal], me resta duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativ­a”, disse o presidente.

No ano passado, Bolsonaro ainda falou que a medida seria “o fim do agronegóci­o”. “A proposta do ministro Fachin vingar, teremos que… Ou melhor, será proposto a demarcação de novas áreas indígenas que equivale a uma região Sudeste toda”, disse.

Nesta quinta-feira (2), o presidente Bolsonaro vetou projeto de lei que alterava o nome do Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas.

O argumento da proposta é de que “povos indígenas” é termo mais respeitoso e identifica­do com as comunidade­s. Especialis­tas apontam que a palavra “índio” é preconceit­uosa e estigmatiz­ada.

O governo, por sua vez, diz que “índio” já é consagrado na cultura, e o projeto não tem interesse público. A comemoraçã­o da data é em 19 de abril.

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STF - 4.nov.21/ Divulgação O ministro Kassio Nunes Marques, durante sessão do Supremo
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Pedro Ladeira - 15.set.21/folhapress Indígenas fazem ato contra o marco temporal em frente ao STF

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