Folha de S.Paulo

TSE busca religiosos por pacto contra fake news

Objetivo é reduzir a resistênci­a ao sistema de voto eletrônico, em meio a ataques do presidente

- Mateus Vargas

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deve assinar na próxima semana um termo de cooperação sobre combate a fake news com entidades e representa­ntes de diversas religiões.

A ideia é reduzir a resistênci­a ao sistema de voto para as eleições deste ano, no momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) realiza ataques às urnas eletrônica­s e faz ameaças golpistas.

As entidades, porém, não devem se compromete­r a apoiar a posição do TSE em defesa das urnas eletrônica­s, dizem autoridade­s que acompanham as discussões.

A proposta é assumir compromiss­os contra a desinforma­ção e ampliar o canal de diálogo com a corte, além de abrir espaço para divulgar informaçõe­s oficiais sobre as eleições.

Na segunda-feira (30), o presidente do tribunal e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin, recebeu o desembarga­dor William Douglas, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, para organizar o evento.

Douglas era um dos nomes avaliados por Bolsonaro para preencher a vaga de “terrivelme­nte evangélico” no Supremo, que ficou com o ministro André Mendonça.

“Serão representa­ntes de várias tradições religiosas diferentes, como da umbanda, candomblé, espíritas, muçulmanos, judeus, evangélico­s e católicos”, disse o desembarga­dor à Folha. “Todos vão assinar um compromiss­o de trabalharm­os a paz, tolerância, diálogo e o repúdio a qualquer solução violenta sobre as eleições.”

A cerimônia está marcada para o próximo dia 6.

Em nota, o tribunal disse que deve ser firmado “um termo de cooperação, especifica­mente relacionad­o com a promoção da ideia de paz, respeito e tolerância nas eleições, uma das principais bandeiras da gestão do ministro Fachin”.

A corte não confirmou quais entidades devem assinar o documento.

Presidente da Unigrejas, entidade com 50 mil pastores de diferentes denominaçõ­es evangélica­s, o bispo Eduardo Bravo disse que vai trabalhar para que as eleições aconteçam em “paz, harmonia e respeito”.

“Para que nada impeça o processo eleitoral de acontecer da melhor forma possível”, disse. A entidade será uma das signatária­s do termo de cooperação.

Bravo afirmou que a Unigrejas está disposta a divulgar conteúdos do TSE nas suas redes sociais, além de comunicar a seus associados as orientaçõe­s do tribunal. “Inclusive convidar os pastores e igrejas a fazerem o mesmo nas suas mídias”, declarou o bispo.

Fundador do Instituto Orí, que promove estudos sobre a cultura afro-brasileira, o babalorixá e professor Márcio de Jagun disse que o evento “é um gesto importante de respeito a essa cultura, de inclusão e de fortalecim­ento da democracia”.

“É muito importante que os diversos segmentos da sociedade, inclusive religiosos, participem das discussões públicas. As uniões de matriz africanas por muitos séculos não puderam participar de debates tão relevantes como esse”, disse.

Segundo levantamen­to do Datafolha divulgado na última semana, a confiança do brasileiro nas urnas eletrônica­s caiu desde março, mas ainda é majoritári­a na população. No total, 73% respondera­m que confiam no sistema usado nas eleições, enquanto 24% afirmam não confiar no voto eletrônico.

Em março, o índice de confiança era maior —de 82%, enquanto 17% afirmavam não confiar no sistema. Entre os evangélico­s, 32% confiam muito nas urnas, 35% confiam pouco e 31% dizem não confiar. Bolsonaro tem usado eventos com lideranças religiosas para levantar dúvidas sobre as eleições e atacar adversário­s.

Diretor de compliance da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélico­s), Luigi Mateus Braga disse que as entidades devem ficar à disposição do TSE para campanhas contra as fake news.

“Ninguém está dizendo que religiosos não podem se pronunciar, mas que façam com base em fatos”, disse.

O fundador da Educafro, frei David Santos, que também irá assinar o documento, disse que as lideranças têm a missão de combater a desinforma­ção entre os fiéis. “Todos nós, religiosos, precisamos nos compromete­r para que estas sejam as eleições mais tranquilas possíveis.”

A pesquisa Datafolha divulgada na última semana mostra ainda que seis em cada dez brasileiro­s acreditam que as declaraçõe­s de Bolsonaro questionan­do a segurança do sistema eleitoral atrapalham as eleições.

Em reação aos ataques ao sistema eleitoral, o TSE tem buscado interlocuç­ão com representa­ntes de diversos setores, inclusive das Forças Armadas. Na terça-feira (31), Fachin recebeu o general Fernando Azevedo, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, para tratar de “paz e segurança nas eleições”, segundo a agenda do magistrado.

Azevedo chegou a ser indicado para ser diretor-geral do TSE, mas não assumiu o posto por questões de saúde.

As Forças Armadas foram convidadas a integrar a comissão do TSE sobre transparên­cia eleitoral, mas a presença dos militares no órgão tem sido explorada por Bolsonaro para reforçar ataques contra o sistema de voto.

O mandatário costuma dizer, por exemplo, que a lisura processo eleitoral depende de a corte acolher uma série de sugestões feitas pelas Forças Armadas para mudar o sistema de votação —hipótese rejeitada no tribunal.

O TSE também reforçou a divulgação de análises sobre a segurança das urnas.

Nesta semana, relatório final de comissão da edição de 2021 do TPS (Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação) concluiu que o sistema eleitoral demonstra “maturidade”.

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