Escritora é condenada por criticar sentenças e satirizar juiz
A Justiça de Santa Catarina condenou a escritora e advogada Saíle Bárbara Barreto a pagar indenização de R$ 50 mil ao juiz especial cível em São José, Rafael Rabaldo Bottan, que se diz alvo da obra de ficção “Causos da Comarca de São Barnabé”, publicada por ela em 2021.
Segundo Bottan, o nome do personagem Floribaldo Mussolini, descrito na obra como juiz especial cível do Tribunal de Justiça de Santa Ignorância, na República Federativa da Banalândia, seria trocadilho com o sobrenome Rabaldo e um modo encontrado pela advogada para humilhá-lo por discordar de suas decisões. Seu nome não consta no livro.
Ela também foi condenada a remover postagens contra decisões judiciais feitas nos meses de setembro e novembro de 2020 em sua página “Diário de uma advogada estressada”, que conta com mais de 100 mil seguidores no Facebook, sob pena de multa diária de R$ 500 em caso de descumprimento.
Saíle foi proibida de fazer novas publicações de cunho “difamatório, calunioso ou ultrajante” contra o juiz, também sujeitas a multa de mesmo valor.
A decisão é de primeira instância e cabe recurso.
Antes de acolher parcialmente o pedido de Bottan, que pedia indenização de R$ 100 mil e remoção do livro de Saíle, o juiz Humberto Goulart da Silveira, da 8ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, responsável pela sentença publicada nesta quarta (1º), reconhece que o magistrado autor do processo não foi identificado pela escritora.
“Perceba-se que as postagens difamatórias contra sujeito anônimo, indeterminado e não identificável não podem ser tomadas como capazes de macular a honra de ninguém publicamente, sobretudo porque não se mostra possível a individualização do destinatário das ofensas.”
Apesar disso, diz que “o entrelaçamento dos atos e o contexto no qual estavam inseridas permitiu a vinculação das agressões pretéritas ao nome do julgador posteriormente divulgado, de forma a trazer a lume verdadeiro ilícito”.
À Folha, em 2021, Saíle disse estar “marcada” pelo juiz por uma reclamação à Corregedoria de Justiça contra ele, em 2018, por uma movimentação em bloco de processos.
Ela reclamou nas redes de decisão desfavorável do magistrado, que havia reduzido o valor de um processo, acusando o juiz de agir por vingança.
Bottan, também no ano passado, disse à reportagem que não houve nada anormal na decisão e que foi no dia seguinte à negação do recurso apresentado por Saíle que o livro sobre a comarca de São Barnabé, “esquecida por Deus (e pela Corregedoria)”, foi anunciado.
A Folha tentou contato com Bottan nesta quinta-feira (2), mas não houve resposta até a publicação da reportagem.
Em postagem datada com o ano 1964, quando foi instaurada a ditadura militar no Brasil, Saíle publicou no Facebook trechos da sentença, omitindo o nome do juiz.
“Em um país em que por empréstimos feitos sem autorização, inclusive com assinatura falsificada, os bandidos são condenados a pagar mil reais, eu fui condenada a pagar 50 mil, com juros e honorários para um juiz que se acha personagem de livro.”
“Acho que preciso me desfazer de tudo o que tenho para cobrir o rombo, se os tribunais superiores confirmarem esse escárnio”, disse.
Sua advogada, Deborah Sztajnberg, que atuou no caso de Paulo césar de araújo, processado por Roberto Carlos por lançar biografia não autorizada, classificou a decisão como censura e assédio judicial e disse que vai recorrer ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
“Essa sentença é um absurdo jurídico, não existe e não pode ser levado a sério. Não pode você ser condenado por [alguém] supostamente achar que é protagonista de um livro que não é.”
Sztajnberg disse que juízes, promotores e defensores desaprovam o processo e “acham que é lei da mordaça”. “A censura hoje em dia tem outro formato, queéoassédioj udi cial. Tudo vira processo, tudo é dano moral”, diz, acrescentando que Saíle, que também responde na esfera penal por calúnia, injúria e difamação, foi obrigada a mudar de estado e teve avida devastada emocionalmente e financeiramente.