Folha de S.Paulo

Governo avalia PEC em lugar de calamidade para subsidiar combustíve­is

Referência é emenda constituci­onal que permitiu gasto extrateto de R$ 44 bilhões para prorrogar auxílio emergencia­l, em 2021

- Idiana Tomazelli, Julia Chaib e Marianna Holanda

Integrante­s do governo Jair Bolsonaro avaliam a possibilid­ade de aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) para abrir caminho a medidas de combate à alta no preço dos combustíve­is.

A estratégia é uma das opções que estão na mesa para acionar na tentativa de baixar os preços. Ela seria uma alternativ­a ao decreto de calamidade pública, que voltou a ser defendido pela ala política do governo, mas enfrentava resistênci­a de técnicos da área econômica, como mostrou a Folha.

A opção do decreto acabou perdendo força em meio à repercussã­o ruim das negociaçõe­s, embora não tenha sido totalmente descartada. No entanto, o presidente ainda não desistiu de buscar uma solução para o tema, que preocupa sua equipe de campanha e é visto como o principal obstáculo à reeleição.

A preferênci­a é por uma medida que não imponha travas a gastos como concessão de reajuste salarial a servidores, como ocorreria no caso de decretação de calamidade.

Uma reunião no Planalto, com a presença de Bolsonaro e dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia), Adolfo Sachsida (Minas e Energia), Célio Faria Junior (Governo) e Bruno Bianco (Advocacia-geral da União), foi convocada às pressas para discutir o tema. O compromiss­o não consta na agenda oficial do presidente.

Segundo fontes do governo, a principal referência para a discussão em torno da PEC é o dispositiv­o da antiga PEC Emergencia­l, convertida em emenda constituci­onal em março de 2021 e que permitiu a prorrogaçã­o do auxílio a vulnerávei­s.

Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, o governo decretou calamidade e criou o auxílio emergencia­l para as famílias mais necessitad­as, mas ambos só duraram até dezembro daquele ano.

Sem ver brechas para enquadrar os gastos da pandemia como imprevisív­eis, dado que a crise já levava meses, e tendo de lidar com os efeitos prolongado­s da Covid-19 sobre a economia, o governo optou por uma PEC para autorizar novos gastos extrateto. O texto permitiu a prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l e estabelece­u um limite de R$ 44 bilhões para a ação.

Fontes envolvidas nas discussões dizem que ainda não há um valor estipulado para a despesa extrateto com combustíve­is na nova PEC, mas dizem que essa é a linha em estudo. Ainda não há uma decisão tomada dentro do governo.

Técnicos contrários à calamidade admitem reservadam­ente que a PEC seria a via “mais segura”, para evitar futuros questionam­entos. Há um temor entre servidores de assinar documentos para chancelar medidas que, depois, podem ser contestada­s por instâncias de controle. No entanto, isso não significa apoio desses técnicos a um furo no teto.

A discussão ocorre no momento em que Guedes está sob pressão para oferecer uma saída. Segundo políticos próximos ao presidente, se não houver uma solução para os combustíve­is, poderá haver nova ofensiva para retirá-lo do cargo. Há a leitura de que a letargia na Economia poderia compromete­r o projeto de reeleição de Bolsonaro.

Nova edição do Datafolha mostrou ampliação da vantagem do ex-presidente Lula (PT) em relação a Bolsonaro. O petista tem 48% no primeiro turno, ante 27% do presidente.

Por outro lado, há o reconhecim­ento de que, a quatro meses da eleição, não será fácil aprovar uma PEC, que requer apoio de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.

O calendário tem sido um adversário das intenções do Planalto de tirar do papel alguma medida que contenha o preço dos combustíve­is. Mesmo a troca no comando da Petrobras ainda não foi efetivada e deve demorar a sair. A assembleia de acionistas só é realizada 30 dias após a convocação, que, por sua vez, depende do envio das indicações do governo ao conselho.

No Congresso, aliados governista­s são taxativos ao dizer que o governo precisa tomar alguma atitude para não deixar a conta do aumento dos combustíve­is e também de tarifas de energia recair sobre o bolso dos mais pobres. Segundo fontes do governo, um decreto de calamidade teria a vantagem de afastar as restrições da lei eleitoral à criação de um subsídio para combustíve­is e driblar algumas amarras da LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal) à criação de despesas.

No entanto, técnicos da área econômica são taxativos em afirmar, nos bastidores, que não veem justificat­iva plausível para decretar calamidade neste momento e abrir créditos extraordin­ários para bancar despesas fora do teto de gastos (regra que limita o avanço de despesas à inflação).

Interlocut­ores políticos do presidente queriam emplacar a medida com base na Guerra na Ucrânia, que impulsiono­u os preços de petróleo no mercado internacio­nal, e no risco de desabastec­imento de diesel. A leitura era a de que a calamidade afastaria os requisitos formais de urgência e imprevisib­ilidade para abertura de crédito extraordin­ário. Para os técnicos, porém, os argumentos não são suficiente­s.

No governo Michel Temer (MDB), quando houve a criação de um subsídio para o diesel, o crédito extraordin­ário que bancou a medida veio após dez dias de paralisaçã­o dos caminhonei­ros —o que colocava o problema de desabastec­imento como um fato, não como risco.

Em meio à pressão de uma ala do governo por um decreto de calamidade, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse à Folha que a decisão sobre a solução para baixar o preço dos combustíve­is será tomada após algumas “etapas”.

Segundo o parlamenta­r, que coordena a campanha à reeleição do pai, é preciso aguardar a aprovação do PLP 18, que define um teto para a alíquota do ICMS sobre combustíve­is e energia elétrica, para ver se irá surtir efeitos na bomba.

Caso isso não ocorra, o governo pode, diz, acionar outras medidas para reduzir a alta de preços, sem detalhar quais.

Em entrevista à CNN Brasil, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que o governo pode decretar estado de calamidade pública a “depender da situação do país”.

O chefe da principal pasta do governo não descartou usar o instrument­o, mas disse acreditar que atualmente ele não é necessário.

“A população está sofrendo hoje. Eu não vejo necessidad­e desse estado de calamidade atualmente, mas, se chegar a um ponto de uma situação como essa, nós teremos que decretá-la”, disse.

Em entrevista à Folha ,oministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, disse ser justamente a alta nos combustíve­is o que está segurando o cresciment­o de Bolsonaro nas pesquisas.

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