Folha de S.Paulo

Contração do investimen­to no 1º trimestre acima do previsto é péssimo sinal

- Silvia Matos Economista e pesquisado­ra do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas)

A divulgação do PIB referente ao primeiro trimestre confirmou um resultado positivo na margem de 1%, ligeiramen­te acima da previsão do Boletim Macro Ibre de 0,9%.

Sempre avaliamos que não haveria recessão na economia brasileira neste ano e o primeiro trimestre seria positivo, mas, mesmo assim, os resultados dos últimos meses foram acima do esperado, em particular, os dados referentes a março. Sem dúvida, o processo de normalizaç­ão dos setores mais afetados pela pandemia tem sido mais rápido que o esperado.

Entre os setores, os destaques foram o cresciment­o das atividades de Outros Serviços e Transporte de 2,1% e 2,2% ante o quarto trimestre, respectiva­mente. Com isso, a atividade Outros Serviços que ainda estava abaixo de nível pré-pandemia (quarto trimestre de 2019) já está 0,8% acima deste patamar no primeiro trimestre. E esses setores são intensivos em trabalho, então não surpreende a expressiva recuperaçã­o do emprego no período.

Consequent­emente, o destaque pelo lado da demanda foi o consumo das famílias. De acordo com o Monitor do PIB do FGV Ibre, em torno de 50% da cesta de consumo é composta por serviços. E, mesmo com salários reais deprimidos, o comportame­nto da massa real de rendimento­s do trabalho tem sido mais positivo. E a expansão do Auxílio Brasil também contribuiu para o resultado.

A alta nos preços das commoditie­s, a reabertura da economia e os estímulos fiscais contribuír­am positivame­nte para o cresciment­o do PIB no trimestre. Mas a pergunta mais importante é saber até quando vamos ser surpreendi­dos positivame­nte. Minha avaliação é que essa fase se esgotará em breve, por diversos motivos.

Em primeiro lugar, uma parte do cresciment­o foi explicada por fatores temporário­s, como a reabertura, a normalizaç­ão do consumo do governo e a expressiva contribuiç­ão externa.

Pelo lado externo, a desacelera­ção esperada para a economia mundial é expressiva, pois o principal motivo é a necessidad­e de reduzir a inflação. Algo que chama atenção é a alta de preços dos insumos e bens industriai­s.

Nesse contexto, o custo para desinflaci­onar a economia brasileira é hercúleo.

A reabertura foi muito inflacioná­ria, o choque de commoditie­s por muito tempo não foi compensado pela valorizaçã­o cambial, e tivemos um choque nos preços de energia elétrica no ano passado. Uma inflação generaliza­da de custos, em todos os setores. A pressão por repasses continua e o instrument­o para debelar a inflação é reprimir a demanda.

Por fim, o investimen­to contraiu muito além do esperado no primeiro trimestre. Um péssimo sinal.

Então é necessário olhar o segundo tempo da nossa economia, que deverá ficar mais evidente no segundo semestre de 2022 em 2023. O segundo tempo pode demorar um pouco mais para começar, mas já está programado.

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